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Orgânicos

No ABC paulista, terrenos baldios viram hortas urbanas

09 de maio, 2016

Programa municipal de São Bernardo do Campo cede espaço para mais de 24 pessoas plantarem

POR LUCAS ALENCAR E VINICIUS GALERA

Aproveitar terrenos baldios, gerar empregos para famílias inteiras e oferecer hortaliças orgânicas, cultivadas sem agrotóxicos, são alguns dos motivos que levam prefeituras a investir em projetos de agricultura familiar em espaços urbanos.

Em São Bernardo do Campo, no ABC paulista, a prefeitura e a AES Eletropaulo, distribuidora de energia elétrica da região metropolitana da capital, cederam cinco terrenos ocupados apenas por torres e fiações elétricas para o plantio familiar. Os espaços são divididos por diversos agricultores, que compartilham conhecimento, ferramentas, sementes, e se ajudam mutuamente.

De acordo com a Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Turismo da cidade, o programa começou em 2009 e já emprega mais de 24 pessoas, que têm rendimento mensal médio de R$ 1,2 mil.

Nas próprias hortas, os munícipes podem comprar, diretamente dos produtores, tudo o que é cultivado. O volume de hortaliças não vendidas no fim de um mês é adquirido pela prefeitura e doado para instituições assistenciais da cidade.

Maria Expedita de Oliveira, 54, é uma das agricultoras nas hortas familiares da cidade. Ao lado do marido, Carlos Eduardo de Oliveira, 51, cultiva alface, rúcula, chuchu e espinafre. “Não consigo descrever a maneira como esse trabalho me satisfaz. Não é só pelo dinheiro no fim do mês. Só de vermos tudo o que plantamos e colhemos aqui, no meio da cidade, já vale a pena”, conta.

Para a dona de casa Juliana Gonsales, 42, a implantação das hortas mudou a rotina da Vila Vivaldi, bairro onde as plantações estão localizadas. “Desde 2010, quando descobri as hortas, não compro mais verdura nafeira nem no supermercado. Além do preço mais em conta, o que a gente come daqui é mais saboroso”, diz.

O ferramenteiro André Vieira, 32, concorda com Juliana e afirma que a chegada das hortas teve um impacto ainda maior em sua vida: “Eu passava aqui quase todos os dias e ficava vendo todo esse verde. Pensei: por que não começo a plantar alguma coisinha em casa?”, explica. De acordo com André, hoje, ele planta e consome seus própriostomatinhos, orégano e tomilho. “Só não planto o que já tem aqui nas hortas por falta de espaço e porque acho que precisamos ajudar os agricultores que fazem esse trabalho maravilhoso e embelezam o bairro”, relata.

Dívida com a terra

horta-cultivador-sao-bernardo (Foto: Lucas Alencar)

Um dos agricultores das hortas de São Bernardo do Campo é o ex-sapateiro Manoel Castelo Branco. Quando tinha 26 anos, ele decidiu abandonar a profissão e a vida que levava na Bahia. Entre os anos de 1980 e 1986, trabalhou nocampo, topando qualquer oportunidade que aparecesse, cortando cana, arando terra, ajudando em colheitas, entre muitos outros serviços. “Foram anos difíceis, muito difíceis. Eu trabalhava entre 8 horas e 9 horas diariamente, com 30 minutos de descanso, no máximo. Minha vida era dormir, trabalhar, dormir, trabalhar…”, conta Manoel.

Depois de seis anos trabalhando no campo, juntou o dinheiro necessário para pagar uma passagem de ônibus com destino a São Paulo e alguns meses de aluguel e contas básicas da nova residência. “Quando me sentei no banco do ônibus, mesmo sem conforto nenhum, respirei aliviado. Mas emoção, mesmo, foi quando coloquei os pés aqui em São Paulo. Na rodoviária, chorei, sem nem saber por quê. Eu sabia que as coisas seriam tão difíceis aqui quanto foram lá na Bahia, mas eu não parava de chorar”, conta, pausando no meio das frases e sorrindo de maneira nostálgica.

Chegando no Estado de São Paulo, foi morar em São Bernardo do Campo e passou mais de duas décadas anos saltando de um emprego a outro, fazendo qualquer serviço para sustentar a esposa e o filho, que nasceu no primeiro ano em que estava na capital paulista. “Nunca deixei minha família passar fome, mas não tive conforto nenhum. Continuava trabalhando e descansando para trabalhar no dia seguinte. A primeira vez que entrei num cinema, eu tinha 50 anos e foi o meu filho que pagou os ingressos”, diz, emocionado.

O filho de Manoel, Lúcio, formou-se em administração e decidiu abrir uma padaria. Na gerência, colocou o próprio pai, que já tinha 57 anos. “Não sei como, mas sempre gostei de números. Passei oito anos gerenciando o negócio do meu filho. Era bom, mas faltava alguma coisa. Eu sentia que estava na hora de fazer algo que eu gostava de verdade”, conta Manoel.

Na época em que diz ter começado a pensar no assunto, Manoel descobriu que a prefeitura inauguraria hortas no bairro em que morou desde que chegou a São Bernardo do Campo. “Lá atrás, nos anos 80, a terra me deu uma nova vida. Pude vir para São Paulo, construir minha família e ver um filho formado. Eu tinha uma dívida com a terra e precisava pagar”, explica o agricultor.

Ele foi um dos primeiros a cultivar os terrenos cedidos pela prefeitura e ajudou muitos outros que vieram depois e não tinham tanta aptidão com dia a dia rural. “O seu Manuel é um exemplo para todo mundo que cultiva aqui. Pelas histórias que a gente ouve dele, pelas dicas que ele dá, e pela disposição que ele tem para ajudar, dá para ver que ele é feliz”, diz Sebastião de Mello, 43, outro agricultor nas hortas da cidade. “Se sou feliz, eu não sei. Mas sou grato. Tudo o que puder ser feito para ver a terra prosperar, vou fazer. Ela me ajudou a prosperar, então, é o mínimo que posso dar em troca”, completa Manoel.

Globo Rural

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