Originalmente publicado no site Intercon, o arquiteto norte-americano residente na África Charles Newman, credenciado pela LEED discute os percalços da certificação nas regiões rurais da África. Newman que atualmente trabalha para o International Rescue Comitte em Bukavu e na República Democrática do Congo como Gestor de Reconstrução Comunitária, se dedica à integração da sustentabilidade em comunidades ao redor do mundo. Pira saber mais sobre seu trabalho e suas viagens, acesse seu blog Afritekt.
Quando em uma pequena cidade do sual da República Democrática do Congo em meados de 2012, um colega me abordou pedindo orientações para uma proposta ampla na área da saúde que ele estava elaborando. Uma porção do financiamento seria destinada à construção de centenas de clínicas através do Congo e ele mencionou que o doador estaria muito interessado em qualificações de edificação “verde”. Sabendo que eu era um Profissional Credenciado do LEED, ele indagou como poderíamos incorporar tais critérios no design dos projetos a serem feitos. Lancei algumas diretrizes gerais, como o emprego de materiais locais – reciclados, se possível – agregando infraestruturas existentes, ventilação natural, etc. Ele apontou algumas questões, e então começou a esquadrinhar um pouco mais. “E quanto ao sistema de pontuação da LEED? Seria possível aplicá-lo à nossa estratégia”?
Minha resposta foi franca: “Na verdade, não. O LEED não funciona aqui na África rural”.
LEED significa Leadership in Energy and Environmental Design (em português algo como Liderança em Energia e Design Ecológico), e se tornou o mais padrão mais reconhecido para edificação “verde” em por volta de 30 países pelo mundo. O LEEDfunciona como uma pontuação que avalia edifícios em termos de design, construção e performance. Cem pontos é o máximo possível. 40 pontos garantem o título de “Certificado”; 50 o grau Prata; 60, Ouro; e 80, Platina. O sistema de avaliação é dividido em sete categorias, tais como Implantação Ecológica, Eficiência Hídrica e Qualidade Ambiental Interna. A maior parte dos pontos funciona quantitativamente, enquanto outros, como os créditos por Inovação em Design, compreendem explanação e interpretação. OLEED se tornou amplamente empregado no mundo por bons motivos: a construção dentro dos padrões LEED fundamentalmente reduz a pegada de carbono de uma edificação, criando um produto potencialmente lucrativo financeiramente (e de modo responsável).
Muitos desses aspectos podem ser aplicados ao trabalhar na porção rural da África.
Os créditos relativos a Materiais e Recursos 1.1 e 1.2, por exemplo, referem-se ao reúso de componentes construtivos existentes. Enquanto na região rural podem não haver muitas estruturas preexistentes disponíveis para reuso, tais padrões poderiam facilmente ser incorporados por empresas de construção africanas. O crédito 6.2, de Qualidade Ambiental Interna, sobre controle de sistemas de conforto ambiental, pode ser alcançado com a disponibilidade de esquadrias móveis e analisando temperaturas e ventilação. O crédito de Implantação Ecológica 7.1, relativo ao Efeito de Ilha de Calor não relacionado às coberturas, pode ser conciliado com a especificação de cores claras nas superfícies e na disposição estratégica de arborização e vegetação no geral.
Esses tópicos e um rol de outros créditos podem ser alcançados em quase todo projeto em países em desenvolvimento.
Onde o LEED falha
Cortesia de Charles Newman do blog Afritekt
Muitos outros pontos, no entanto (em um total de 45 dos 100), são simplesmente irrelevantes ou financeiramente irresponsáveis. Em alguns casos, a adesão a esses créditos pode até mesmo ser prejudicial ao sucesso do projeto e à prosperidade da comunidade.
O mais óbvio desses créditos irrelevante é o Crédito de Implantação Sustentável 4.3, Veículos de Baixa Emissão e de Consumo Eficiente de Combustíveis. Esse ponto é angariado ao preferir estacionamentos de veículos de baixo consumo de combustível. Quando estacionamento não são comportados pelo projeto, o tópico prevê que um serviço de aluguel de automóveis de baixo consumo deve ser oferecido, atendendo um mínimo de 3% dos ocupantes do edifício. Não é necessário explicar da irrelevância desse crédito. Isso mostra que algumas das questões avaliadas pela LEED são direcionadas a problemas de centros urbanos altamente desenvolvidos.
Crédito 3 – Comissão de Sistemas EA, Comissão Avançada de Sistemas, especifica que uma terceira parte tem de ser contratada para supervisionar o projeto, a terceirização e o monitoramento de todos sistemas mecânicos por um período de dez meses. Tal distribuição de funções de manutenção pode ser muito útil quando se trabalha em comunidades rurais em desenvolvimento. No entanto, esse crédito dá a entender que sistemas mecânicos devem estar incorporados no design do edifício. Geralmente, especificar sistemas que exigem considerável conhecimento técnico não é recomendável. Ainda que tal conhecimento possa ser efetivamente transferido, os recursos financeiros disponíveis para manter tais sistemas são quase sempre extremamente limitados. Além disso, contratar uma terceira parte para supervisionar o processo de desenho, instalação e monitoramento pode adicionar um gasto robusto ao projeto são custos que podem ser melhor empregados em outras iniciativas na comunidade.
Crédito 6 – Energia e Atmosfera, Energia Verde, esta é uma das maneiras mais fáceis de “comprar” um crédito LEED. Essencialmente, os proprietários do edifício firmam um contrato mínimo de dois anos com a empresa fornecedora de energia elétrica garantindo que pelo menos 35% da energia usada seja proveniente de fontes renováveis. Primeiramente, assim como crédito analisado anteriormente, este estipula que haja energia elétrica presente na edificação. Para muitos projetos na África rural, eletricidade simplesmente não é uma prioridade Tais projetos são então impossibilitados de obter esse ponto, assim como vários outros na sua categoria. Para complicar ainda mais a situação, os fornecedores de energia renovável na África muitas vezes não são reconhecidos pela certificação de produto Green-e Energy do Centro Americano para Soluções em Recursos, ou equivalentes. E ainda, exigir que uma comunidade rural consuma energia mais cara significa arriscar a sustentabilidade financeira dos programas abrigados pelo edifício.
Energia renovável é algo bom, obviamente. Lâmpadas eficientes, torneiras econômicas, materiais reciclados e inovações em design também são positivos – apesar da visão daLEED ser severamente limitada. O sistema de pontos só se aplica a critérios construtivos arquitetônicos, alienado de relevância financeira, relação dos clientes ou, simplesmente, desenvolvimento. Ao considerar o desenvolvimento rural na África, as necessidades e exigências da construção devem se adaptar não somente para um outro contexto geográfico e cultural, mas um contexto de necessidades e possibilidades. Critérios de energia devem primeiro reconhecer na importância da eletricidade por si só um grande avanço; e, por exemplo, pontos para carros elétricos poderiam ser substituídos por pontos para mosquiteiros. Isso pode soar como uma simplificação ou um rebaixamento do sistema LEED. Não se trata disso; a sustentabilidade predial na África vai muito além de sistemas de construção gerais. Uma regra não atende a todos.
Muito espaço para a Sustentabilidade
Cozinha existente com nova cobertura e forno com queima eficiente de madeira; Cortesia de Charles Newman do blog Afritekt
Se desejarmos estabelecer uma discussão realmente produtiva sobre sustentabilidade predial na África, devemos considerar fatores sociais e econômicos também. Uma escola com uma classificação Ouro que não possui livros, professores, ou mesmo alunos seria irrelevante e mesmo patética. Uma ONG que importa materiais de construção mas introduz um sistema construtivo “verde” desperdiça a oportunidade de estimular a economia local. E ainda, se essa ONG trouxer voluntários para executar a construção, trabalhadores locais perdem a chance obter fontes de renda que poderiam levar seus filhos à escola.
Desde a minha conversa com meu colega naquela pequena vila no Congo, cruzei com alguns outros sistemas que melhor caracterizam as necessidades do desenvolvimento rural e buscam quantificar os efeitos do design de qualidade.
Uma equipe de pensadores buscando ajudar a guiar os critérios de edificação e desenvolvimento em lugares similares à África rural é a SEED Network. SEED significa Social Economic Environmental Design (em português, Design Socio-Econômico e Ambiental), e estabelece cinco princípios:
Projetos enviados ao SEED são analisados individualmente pelo júri de acordo com esses princípios – sem pontuações. Para conhecer mais sobre o processo, clique aqui.
Jeremy Gibberd, arquiteto na África do Sul, propõe padrões Sociais, Econômicos e Ambientais (elaborados em um sistema de avaliação aqui) como uma medida do sucesso de projetos de desenvolvimento rural. Ele divide seus critérios como Ambientais, Econômicos e Sociais – simplificando a linguagem referente às técnicas e expandindo a discussão em termos de Uso, Custo, Participação e Contratos. Seu trabalho ainda está em progresso, mas aponta para direções promissoras.
Cortesia de Charles Newman do blog Afritekt
Esses sistemas de Gibberd e SEED parecem atingir o cerne do que estou tratando: que construção sustentável em comunidades rurais desfavorecidas não pode se limitar à arquitetura. O sucesso do projeto tem de ser avalidado em uma escala maior que inclui o envolvimento da comunidade, técnicas construtivas, relações financeiras e desenvolvimento. Talvez uma expansão ainda maior desses sistemas possa incluir envolvimento da administração local – trazendo os responsáveis pelo crescimento de sua comunidade a uma posição de sustento dos programas e seus objetivos.
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