06 de junho, 2015
Apesar de pouco conhecido pelo consumidor final, o conceito de rastreabilidade é fundamental na agricultura, em especial a orgânica. Através dele é possível traçar o trajeto inverso do alimento: do prato até sua origem, rastreando todos os passos na cadeia produtiva que o levaram até ali.
Se para quem compra se trata de um diferencial que sofistica indiretamente o processo de escolha dos alimentos, para quem produz ele é imprescindível: a certificação orgânica por auditoria exige que o agricultor permita o fácil rastreio de seus produtos. Para entender esse processo, conversamos com o agricultor orgânico e apicultor Roberto Del Gos, detentor da marca Nena Baroni, que nos explicou como funciona na prática.
Produtor da Zona Sul de Porto Alegre (RS), Roberto era bancário. Começou a orquestrar sua mudança de profissão em 2011 e em 2013 colocou as sementes na terra pela primeira vez, já obstinado a fazer tudo de forma orgânica. Hoje, comercializa para restaurantes e lojistas e começou a aplicar em sua lavoura princípios da agricultura biodinâmica. Ele compara a rastreabilidade a uma receita de bolo em que não vão apenas os ingredientes, mas o modo de preparo de cada um, a procedência, a semente utilizada.
Anualmente, sua certificadora, a IBD (de Botucatu/SP), exige que ele declare um plano de manejo. “Eu programo tudo que vou produzir na propriedade inteira no próximo ano e, na inspeção anual, apresento este planejamento”, explica. Como a área do plantio é dividida em talhões (também chamados de lotes) ele especifica o que cada talhão produzirá, separando o espaço em canteiros. “Um talhão tem 43 canteiros, por exemplo, e eu anoto o plantio de abobrinha no 5º canteiro do talhão 1, cenoura no 10º e por aí vai”.
Tudo o que ele planta e colhe é diariamente documentado em um caderno de campo e vai para um relatório que fica à disposição não apenas de sua certificadora, mas de clientes e lojistas. Com a data especificada no rótulo de seus produtos, é possível bater os dados com o que foi colhido exatamente no dia informado, comprovando a procedência. Roberto esclarece: “Se você comprar espinafre em um de meus clientes, posso te mostrar direitinho o canteiro e o talhão em que ele foi plantado, garantindo que eu realmente produzi aquela espinafre, plantei e colhi ali. Isso me impede de ir no vizinho que não é orgânico, pegar o espinafre dele e vender pra ti”, exemplifica.
Roberto em sua propriedade na Zona Sul de Porto Alegre (RS). Fotos: Reprodução RBSTV
Pelo fato de que a agricultura orgânica envolve constante aprendizado e adaptação, perguntamos a Roberto se a exigência desse plano de manejo não engessa a produção, dificultando o aperfeiçoamento empírico. “Procuro ser o mais fiel possível às possibilidades ao fazer o plano”, afirma, “analiso todas as variáveis porque o deixo na parede e, antes de fazer qualquer coisa, verifico se foi planejado. Mas se eu quiser fazer alguma mudança, basta informar o certificador com certa antecedência e atualizar o plano de manejo que eles autorizam”.
O conceito de rastreabilidade pode parecer complexo, mas, na prática, é simples e pode ser aplicado tanto por pequenos clientes quanto nas grandes revendedores, bastando organização. Ainda que as lavouras orgânicas estejam sujeitas a auditorias-surpresa, a política de portas abertas típicas desses produtores parece mais praticada por boa-vizinhança e boas intenções do que por exigências legais, o que nos lembra uma frase deste vídeo do Coletivo Aura sobre a Feira Ecológica do Bom Fim: “certificação, para mim, é olhar o produtor nos olhos”.
Via Teia Orgânica – blog.teiaorganica.com.br