Cobertura de rede de esgoto em cidades como Santos e a região dos Lagos passou de zero para mais de 70% em 20 anos
Rios poluídos pelo crescimento descontrolado das cidades, praias impróprias para banho pela falta de cobertura adequada de saneamento, ausência de controle nas ligações de esgoto e outros problemas atuais dos catarinenses já foram e estão sendo tratados também por outras regiões do país. Algumas, porém, conseguiram resultados que podem ser considerados avanços. Na região dos Lagos, no Rio de Janeiro, por exemplo, a cobertura de tratamento de esgoto passou de nula para 77% em quase duas décadas. Especialistas apontam a simples inexistência de qualquer tipo de problemas na área de saneamento em países europeus para lembrar que muitas cidades brasileiras negligenciaram esse desafio durante o crescimento imobiliário nas décadas de 1980 e 1990.
Dos 645 municípios de São Paulo, a Sabesp é responsável pelo tratamento de água e esgoto em 365. No Estado mais rico do país, o desafio é muitas vezes reformar redes antigas que misturam esgoto com água pluvial. Para o superintendente de Planejamento Integrado da empresa, Dante Ragazzi Pauli, a tarefa se torna ainda maior devido à necessidade de colaboração das administrações municipais:
— Há um investimento permanente de infraestrutura de pelo menos 20% do que arrecadamos com tarifas de esgoto. Além disso, fazemos um acompanhamento até de ligações irregulares, mas é um trabalho que depende de ação conjunta com as prefeituras. O operador do sistema de tratamento não pode fazer tudo sozinho.
O litoral de São Paulo chega a ter 70% de cobertura de tratamento de esgoto, e conta com nove emissários submarinos – tubulação que leva efluentes de três a quatro quilômetros em alto-mar. Uma obra desse tipo pode custar até R$ 150 milhões, dependendo da complexidade de instalação, e é considerada eficiente.
Apenas 20% de SC têm cobertura de esgoto
Como comparação, Santa Catarina teve menos de 20% de cobertura de esgoto segundo o último relatório do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), de 2013.
O presidente do Instituto Trata Brasil, Édison Carlos, explica que houve negligência em investimento de saneamento no Brasil em anos anteriores, e Estados considerados ricos, como SC, apresentam deficiências em seus sistemas, afetando diretamente o meio ambiente:
— O Brasil investiu pouco em saneamento no passado, então está pagando a conta ambiental agora. As cidades cresceram e os sistemas de água e esgoto não. No litoral o problema é maior, pois existe uma população flutuante no verão que sobrecarrega a estrutura.
Excesso de chuva causa problema em litoral santista
Com cobertura 100% na rede de tratamento de esgoto, Santos pode ser considerada uma raridade no quadro de saneamento básico do Brasil. Mesmo assim, a balneabilidade das praias do município paulista não é tão boa quanto deveria. As ligações irregulares de esgoto também são inexpressivas. Foram apenas nove casos registrados no ano passado. Segundo a secretária de Meio Ambiente de Santos, Débora Blanco, o problema da balneabilidade passa pelo excesso de chuvas.
— O índice pluviométrico interfere na balneabilidade. Quando chove, tudo que está na rua é arrastado para os canais que desaguam no mar. Uma das nossas iniciativas é incentivar a população a limpar necessidades de animais domésticos, por exemplo – afirma Débora.
Recuperação do meio ambiente leva décadas
Outro exemplo de saneamento básico, a região dos Lagos, no Rio de Janeiro, passou de zero para 77% de cobertura de saneamento. A Lagoa de Araruama, considerada morta por ambientalistas, está em processo de recuperação. Carlos Roma, presidente da Prolagos, concessionária do serviço de tratamento de esgoto no local, cita o alto investimento para explicar o avanço do saneamento básico na região.
— A Lagoa de Araruama envolve cinco municípios do Rio de Janeiro e investimos mais de R$ 600 milhões nos últimos 17 anos apenas em infraestrutura de saneamento. Fizemos um acordo para coletar a tempo seco, que é a interceptação do esgoto nas galerias da rede pluvial. Nesses casos, só há extravasamento em período de chuvas, mas o índice pluviométrico da região é baixo. Além desse processo, houve dragagem do leito manancial. Com o tempo, houve a troca natural da água suja pela tratada — afirma Roma.
Entrevista: Édison Carlos, presidente do Trata Brasil
A falta de investimento público no final do século passado é uma das explicações de Édison Carlos para a situação de calamidade sanitária que muitos municípios, alguns
do litoral catarinense, apresentam no Brasil. Além disso, o especialista alerta que a única solução é investir muito e por vários anos.
Qual o atual cenário do saneamento básico no Brasil?
O Brasil teve uma parada nos anos 80 e 90 em investimentos para tratamento de esgoto. Foram décadas perdidas para o saneamento no país, onde as cidades cresceram muito com migração de pessoas do interior, mas não houve investimento na área sanitária. Até a infraestrutura de água existe, mas esgoto é a última coisa que se olha. E no litoral, há dois desafios: o crescimento da própria cidade e do turismo. Essa descoberta veio com o tempo, quando as praias mais centrais do litoral começaram a ficar poluídas. Santa Catarina é um ícone desse processo de abandono. Nos dados de 2013 do SNIS, os últimos do governo federal, o Estado teve 16% de cobertura de tratamento de esgoto.
Em Florianópolis, há muitos condomínios e residências com ligações irregulares de esgoto, que acaba sendo despejado in natura em mananciais. O avanço imobiliário sem planejamento interfere de que forma nesse processo?
A expansão imobiliária é muito mais rápida que a de água e esgoto. Muitos condomínios foram feitos com fossa, ou com despejo de esgoto em rios. O plano nacional de saneamento é bem claro em proibir uso de fossa em área urbana, porque são muitas construções, então o risco de uma fossa contaminar a outra é grande. O controle dessas ligações irregulares é um dos grandes problemas enfrentados por todas as concessionárias de serviço de saneamento. No caso das cidades praianas, há um salto gigantesco de população flutuante. É um problema adicional.
Qual o passivo ambiental de uma cidade com tratamento inadequado de esgoto?
O que determina a forma de tratamento é a classificação do rio. O esgoto tratado despejado sempre tem que ser melhor do que a qualidade da água do rio. Então, esse efluente tem que melhorar o rio. Se o líquido é pior, isso está errado. Santa Catarina tem a imagem de um Estado avançado, mas investe muito pouco em saneamento. Se o investimento não aumentar e essa degradação continuar crescendo, ela ficará cada vez mais visível. Vai chegar um momento que essa boa imagem será perdida.