Não temos pensado seriamente sobre meio ambiente, é fato. Ainda que a ideia de sustentabilidade esteja mais presente no nosso dia a dia, medidas realmente efetivas e macros ainda não são pouco vistas. O resultado? Só para dar um exemplo mais prático, vide o nosso clima. O Sul do país está sendo castigado por chuvas que parecem não ter fim – nossa obra está completamente parada por conta disso – e há previsão de o verão ser o pior dos últimos tempos. Se isso não é culpa nossa, de quem seria?
Felizmente há quem, mesmo com trabalho de formiguinha, se empenhe no assunto e esteja fazendo a diferença, ainda que em microssistemas. É o caso da Onda Verde, cujo último projeto sustentável é uma casa container certificada.
Fundada em 1994, por Hélio Vanderlei, a Entidade Ambientalista Onda Verde teve o apoio de alemães em um projeto de troca de recicláveis por hortaliças, que consistia em mostrar às pessoas que o lixo esconde resíduos valiosos que podem e devem ser reutilizados ou reciclados. Os alimentos eram cultivados em um sítio de Tinguá e, a cada safra, eram trocados por latas, papel, vidro e metal, o que ajudou a consolidar a ONG como uma organização decisivamente voltada para a formação da cidadania e a construção de uma consciência ambiental.
Em 1998 a ONG se instalou em Tinguá, em área vizinha a uma das principais áreas de preservação da Mata Atlântica do Estado e do país: a Reserva Biológica do Tinguá. Hoje executa projetos em todo o Estado do Rio de Janeiro, por meio de parcerias com empresas, organizações não-governamentais, órgãos dos governos federal, estaduais e municipais, desenvolvendo atividades de pesquisa e diagnóstico; proteção de espécies e de ecossistemas ameaçados; desenvolvimento de modelos alternativos de conservação e uso dos recursos naturais; capacitação e desenvolvimento de entidades parceiras; disseminação de resultados por meio de educação ambiental, políticas ambientais e comunicação; e campanhas de mobilização social. Mais sobre sua história aqui.
Quanto ao Centro de Ecologia e Educação para a Economia Criativa, projeto das fotos, a construção de um prédio sustentável foi uma decisão da diretoria da ONG quando definido seu planejamento estratégico de 2012 a 2022. Conta com uma casa conceito (primeira Casa de Eficiência Energética, em Tingua, que pretende mostrar à sociedade soluções e produtos inovadores desenvolvidos para tornar as construções mais sustentáveis e eficientes, chegando a economia de energia da casa a quase 65%, graças ao uso de materiais diferenciados), que pretende ser uma residência temporária para estudantes e pesquisadores, dos mais variados locais, servindo para as aulas de educação ambiental na construção civil, apresentando produtos, materiais, tecnologias e serviços. Tudo em um único lugar.
A casa já recebeu, apenas no período de construção, mais de 2.500 estudantes do ensino médio e técnico, além de 253 estudantes de nível superior, nos diversos seminários apresentados. Aloja de comércio justo que também funciona no local tem um papel fundamental na educação dos futuros consumidores, pois proporciona ao visitante uma reflexão sobre economia solidária, produção coletiva e colaborativa e consumo. Os principais fornecedores da loja são pequenos artesãos da região.
Para atender às jovens mulheres, o andar superior conta com um salão com 84 metros quadrados para atividades de formação e qualificação no mundo da economia criativa. A terceira turma já contava com 25 jovens do ensino médio das escolas públicas da região, que estão terminando seu curso e buscando novos horizontes. O curso tem duração de 210 horas e conta com diversos módulos: direitos humanos, empreendedorismo feminino, arquitetura da fotografia, cinema de base comunitária, biojóias etc. O prédio vai ser um espaço para as mulheres de todas as idades, fortalecendo o debate sobre gênero, meio ambiente e sustentabilidade.
O projeto ficou sob a responsabilidade da Arktectus e foi a primeira experiência da ONG com container e participaram de perto da execução completa do prédio. Foi um projeto ainda mais desafiador, pois se trata de uma residência com a Certificação Referencial Casa – GBC, sendo preciso tomar cuidado com cada etapa além de estarem trabalhando com um material com características próprias como é o container.
A obra foi inicialmente prevista para ser concluída em 4 meses, mas houve uma atraso de cerca de 2 meses por conta de diversos fatores: doações de empresas, que demoraram a chegar no local da obra; mão de obra não especializada na tecnologia empregada em containers; mudança de projeto executivo para adequar à realidade da obra; entrada de novos patrocinadores com materiais; equipamentos e serviços; período de chuvas na região; falta de luz (que em Tinguá é uma constante).
Ainda que se trata da primeira construção em container na cidade, não tiveram problemas no processo de licenciamento. Os custos inicialmente previstos sofreram alteração por diversas questões, como as já acima listadas. O fato de haver muitas doações torna a obra, por certo, muito mais barata do que se fosse feita apenas de modo privado, sem subsídios.
No total foram usados oito containers, sendo quatro para casa pavimento. O container usado foi o High Cube (mais alto), de 40 pés, do tipo Dry (sem revestimento térmico de fábrica) e para o isolamento termo-acústico utilizaram lã de PET. Segundo os arquitetos, o efeito pode ser sentido no local, pois quem visita o prédio sente a diferença de temperatura e som. O material tem demonstrado ser um excelente isolante térmico e acústico.
Além dos containers foi construído um radier de concreto armado, além de alvenaria de fechamento interno e placas modulares em gesso acartonado.
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O objetivo é ter um complexo socioambiental, uma vez que a ONG já conta com um Centro de Educação Ambiental construído com painéis de EPS (Isopor), um Centro de Pesquisa da Mata Atlântica construído de bambu. Com o Centro de Economia Criativa (este em container) conseguem, em um único local, ter três prédios com características bem diversas, compondo um espaço de educação ambiental para os jovens da região.
A ideia do container partiu da própria Onda Verde, mas caiu como uma luva para a Arktectus, pois aplicaram todas as ações e avaliações de materiais reciclados, resíduos de obra, uso de água no processo construtivo, uso e manuseio de materiais agregados e outros mais que já costumam usar em seus projetos, além de ganharem experiência com o material.
Eis matéria sobre o local no Jornal Extra:
O projeto de arquitetura e de instalações prediais, da Arktectus Arquitetura Sustentável, foi conduzido pelos arquitetos Maria José de Mello, Rafael Tavares e Bruno Schnellrath. A execução em metalurgia e em containers foi da AllContainer e os acabamentos ficaram por conta da Tektos Construtora Ltda.. No total o prédio ficou com 240 metros quadrados e conta com energia fotovoltaica, eólica e termo-solar de aquecimento, concomitante, pretendendo performance máxima em energia.
Como estamos localizados em uma comunidade na periferia da região metropolitana do Rio de Janeiro, percebemos o quanto as pessoas ficam impactadas e curiosas em entender como é possível construir algo tão sustentável partir de uma caixa de metal. Elas são impactadas pelas primeiras impressões de diversas tecnologias disponíveis no local, pela rapidez da obra, pelo design e pela criatividade da obra. Estamos recebendo visitas de estudantes, pesquisadores, arquitetos, engenheiros (temos dois estudantes de engenharia civil que vão utilizar nosso projeto no seu TCC), além de um grupo de arquitetos americanos do AIA (Instituto dos arquitetos dos EUA) que já estiveram na obra para conhecer o complexo acompanhados pelo Consulado Americano.
Somos construtores de sonhos coletivos por isso estamos construindo algo inovador, criativo, educativo que tem o objetivo de ajudar a transformar vidas, vidas de jovens mulheres que lutam para ultrapassar as desigualdades sociais e educacionais impostas às periferias dos grandes centros urbanos como o Rio de Janeiro.
É ou não é um daqueles projetos que deve ganhar nosso apoio e se espalhar cada vez mais?
Um vídeo sobre o local para encerrar:
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