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11 dicas para um desenho urbano sustentável inspiradas nos povoados tradicionais

09 de maio, 2016

Muitas das tendências atuais no desenho de cidades sustentáveis apresentam uma paradoxa relação entre os aspectos culturais do povoamento histórico; um tipo de assentamento, segundo Carlos Flores (1973), característico das sociedades anteriores a revolução industrial. Não é tão estranho considerarmos, seguindo o mesmo autor, alguns dos princípios que regeram a disposição daqueles povoados e cidades: adaptação ao lugar (condições climáticas, físicas, bióticas), gestão da escassez de recursos, deficit tecnológico, auto-gestão de recursos e necessidades, materiais e técnicas de cada lugar; cooperação mútua entre os diversos elementos construtivos; ou inexistência do desenho ‘de autor’ e submissão deste às funções; isto em conjunto, quase sem exceção, resulta em conjuntos de harmoniosos e belos.

Tal como o próprio Flores antecipara em sua época, muitos destes princípios acabaram sendo, conscientemente ou não, utilizados por autores contemporâneos, como o arquiteto Christopher Alexander, a Agencia de Ecologia Urbana de Barcelona de Salvador Rueda, o Banco Interamericano de Desenvolvimento ou a Carta do Novo Urbanismo (CNU, 2008) de Peter Kantz – escrita por prestigiosos urbanistas como o próprio C. Alexander ou Leon Krier. Considerando ambas as fontes, propõe-se a seguinte lista de conselhos, ou dicas — uma síntese de aspectos presentes no urbanismo tradicional que podem servir para a construção de cidades mais sustentáveis, resilientes e ecologicamente amigáveis. 

1. Preferir e fomentar a densidade em vez da dispersão

 

Uma tendência universal, apoiada no automóvel e outras tecnologias de transporte em rede (de informação, de energia, de alimentos ou materiais) foi uma dispersão explosiva nas cidades na última metade do século XX. A cidade compacta, como diversos autores – a exemplo de S. Rueda – têm defendido, é mais eficiente na distribuição e consumo de recursos e informações, ao tornar complexos os canais de informação e reduzir as distâncias (aumentando o rendimento) de transporte e de consumo de materiais.

2. Liberar – de usos intensivos, edificação e infraestrutura – os espaços ligados a processos naturais recorrentes ou violentos (áreas ribeirinhas e de risco)

Uma visão das cidades não como opostas ao meio natural, mas como simbióticas aos seus processos, que devem ser respeitados, adaptando-se e não corrigindo-os. Comporta aspectos como a previsão dos processos fluviais complexos que requerem espaços amplos; e outros processos naturais, como deslizamentos, espaços de amortecimento de tsunamis, etc. Neste sentido, o que importa é:

• Liberar as áreas dos córregos, utilizado-as como áreas verdes urbanas.

• Favorecer a disposição dos solos com capacidade filtrante, frente aos solos impermeabilizados.

3. Adaptar a malha urbana (ruas, praças, avenidas…) à morfologia do terreno, e não o contrário

Outra dinâmica habitual tem sido a de sistematizar em maior medida possível o terreno, para fazê-lo encaixar-se em traçados e desenhos urbanos frequentemente abstratos e regulares, pré-desenhados. A tradicional adaptação da morfologia urbana às formas do território não apenas transmite a beleza e harmonia, mas também reflete em um melhor funcionamento os córregos naturais do terreno, a adaptação ao sol o ou consumo energético inferior no movimento de terras, por exemplo.

4. Adaptar a tipologia da edificação ao clima local (insolação, ventilação, cursos d’água), e não o contrário

O uso (e abuso) das últimas tecnologias em climatização de espaços e o desenvolvimento de isolamentos tectônicos têm gerado um efeito perverso que leva, às vezes, a acreditar que não seria necessário pensar no conforto climático a partir do desenho. Há muito o que aprender nos sistemas de adaptação climática tradicionais, desde o próprio desenho urbano adaptado às condições climáticas – orientação, insolação, ventilação – até os sistemas passivos de climatização, ventilação natural, inércia arquitetônica, materiais locais, etc.

5. Gestionar o espaço público de forma estratégica, como centros de atividade cívica (praças, parques, espaços de pedestres), e não deixá-los a mercê da iniciativa privada

 

O êxito do modelo de cidade norte-americana baseado no uso do automóvel, os sistemas de autopistas urbanas e os grandes centros comerciais têm prejudicado o valor dos espaços públicos tradicionais, baseados em estruturas urbanas pré-tecnológicas, em que a aproximação forçada entre atividades e a solidariedade entre edificações e espaços livres, assim como a hierarquização de alguns dos elementos – igrejas, monumentos, edifícios públicos – geravam entornos de alto valor espacial. Esta linha pode servir para fomentar as áreas de encontro e alta intensidade de atividades que caracterizam e enriquecem os centros urbanos. 

6. Organizar a produção, consumo e disposição de recursos e resíduos (energia, água, lixo, águas residuais) preferindo a proximidade e dispersão à centralização de redes e instalações (grandes depuradores, lixões…)

Sem negar a necessidade das segundas, a capacidade em resolver muitos dos processos energéticos, de recursos e resíduos na instância mais próxima vem sendo tendência em alguns dos países mais avançados no desenho bioclimático e conecta antigas fazendas e povoados autônomos e auto-sustentáveis. Novamente, a economia no transporte e distâncias é a chave, além de gerar um sentimento de responsabilidade no produtor/consumidor. 

7. Preferir a organização em torno de centros próximos (bairros, praças) em vez de centralidades afastadas ou disseminadas (shoppings, centro/subúrbios)

Como estabelecem Norberg-Schultz ou K. Lynch, a vida humana se organiza perceptivamente ao redor de centros de referência, que habitualmente convertem-se em centros de atividade. Este princípio pode servir como uma estratégia para organizar as realidades urbanas ao redor de bairros e nós urbanos – tal como vem sendopromovido por governos metropolitanos na Alemanha por exemplo – ao invés de aglomerados difusos simplesmente unidos por autopistas. Ele têm estreita relação com o fomento da complexidade de usos, em particular nos nós de atividade e não separar os usos em áreas discretas monofuncionais: áreas residenciais, comerciais, de escritórios, etc.

8. Preservar os solos de alta capacidade produtiva para atividades agrárias (como horticultura urbana) e em geral para as áreas verdes e de dispersão 

Aplicando uma visão estratégica sobre os recursos, os solos de qualidade, como áreas ribeirinhas, bordes de córrego, várzeas, deveriam ser priorizadas por seu superior capacidade para sustentar a biomassa: tando desde o ponto de vista da própria produção local de alimentos, como do ponto de vista das áreas verdes, áreas de dispersão, infraestrutura verde, etc. Este aspecto é um extensão do apresentado no número 2. 

9. Desenhar priorizando o integral e o setorial, e não o contrário

O melhor exemplo para o governo de uma cidade é… a própria cidade. Isso implica priorizar um planejamento urbano integral e local, sobre outra setorizada e centralizada. É o município que eve ter as atribuições e a capacidade técnica e orçamentária para organizar como melhor convenha, sua realidade urbana. 

Este princípio também pode se aplicado sobre a ideia de uma cidade complexa, não dispersada em áreas e elementos com funções específicas, mas como um conjunto de relações e funções interdependentes não exatamente pré-determinadas; nos quais os resultados, como sistema, não são reduzíveis a uma simples ‘soma’ entre as partes constituintes. 

10. Organizar a mobilidade urbana priorizando os meios passivos e coletivos (pedestre>bicicleta>transporte coletivo>moto>veículo privado)

Tão importantes como aspectos infraestruturais – ciclovias, serviços de transporte público – são, desde o ponto de vista do desenho, aspectos de estilo e cultural urbana, como avançar no respeito a priorização do pedestre (tão escasso na América Latina) a erradicação dos cercados que confinam e isolam as calçadas, etc. 

Um aspecto a considerar desde o ponto de vista do desenho é que na medida em que mais extensa e menos densa seja a cidade, menos amigável será para os percursos; uma cidade compacta e articulada, como foi dito no ponto 1, será mais apta aos sistemas públicos, ciclistas e pedestres. 

11. Delegar aos cidadãos e comunidades a tomada de decisões dos seus entornos locais (bairros)

 

O planejamento urbano como disciplina progrediu como uma técnica habitualmente separada da ação e intervenção dos cidadãos paradoxalmente responsáveis pela cidade tradicional. Mesmo havendo uma tendência de recuperar a opinião cidadã nos processos de participação, cada vez são mais as vias que buscam implicar ativamente de novo o cidadão na criação da cidade: desde as plataformas de ação cívica, propostas de ‘custódia urbana’ ou os mecanismos de gestão pública e apoio a autoconstrução, são todos processos que recolhem uma realidade tão antiga como a própria cidade: a livre associação e agrupamento entre cidadãos em mecanismos de construção e convivência coletivos. 

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