A produção brasileira de energia eólica e de biomassa cresceu nos últimos anos.
Mas o país ainda patina em energia solar, em infraestrutura e inovação para depender menos das hidrelétricas e térmicas
Como evoluiu a matriz energética brasileira nesses 23 anos transcorridos desde que o país foi anfitrião da ECO-92, a histórica conferência global sobre meio ambiente realizada no Rio de Janeiro? Desde então, o Brasil se tornou protagonista em discussões ambientais que resultaram, entre outras coisas, na elaboração da Convenção sobre Mudanças Climáticas da ONU e na geração do seu “filho” mais famoso, o Protocolo de Kyoto, documento por meio do qual as nações se comprometeram a reduzir suas emissões de gases provocadores do efeito estufa (GEE). Passaram-se os anos e Kyoto expirou – espera-se que sua continuidade seja definida ainda este ano na COP-21, em Paris –, enquanto diversos países, inclusive o Brasil, declararam metas e compromissos voluntários de redução das emissões.
Nesse cenário, cresce a busca global por fontes alternativas de energia que tenham produção mais limpa e pela redução da queima de lenha e de combustíveis fósseis, vilões do aquecimento do planeta. Sempre observado por conta do desmatamento na Amazônia e suas consequências para o agravamento do aquecimento da atmosfera, o Brasil costuma apresentar como trunfo sua matriz energética “limpa” e baseada na utilização de usinas hidrelétricas. É um fato, mas as hidrelétricas, que há poucos anos já foram responsáveis por mais de 80% da energia gerada no país, respondem em 2015 por “apenas” 66,6% da capacidade instalada nacional, segundo dados do Ministério de Minas e Energia (MME).
Com as seguidas estiagens, a queda no nível dos reservatórios e o atraso na conclusão de grandes projetos como as usinas de Belo Monte, Santo Antônio e Jirau, as hidrelétricas vêm perdendo espaço para as térmicas, que queimam óleo ou carvão e são muito mais poluentes. Estas já são responsáveis por quase um terço (29,7%) da atual capacidade instalada de energia no Brasil, segundo o MME. Enquanto isso, fontes de energia consideradas mais limpas, como a solar e a eólica, têm espaço e potencial para crescer no país, mas sua utilização em larga escala ainda depende da concretização de projetos e obras de infraestrutura.
No que diz respeito à geração de energia eólica, os ventos parecem soprar a favor do Brasil. Segundo a Associação Mundial de Energia Eólica (WWEA, na sigla em inglês), o país registrou em 2014 o terceiro maior crescimento de mercado, atrás somente de Índia e Estados Unidos. O Brasil chegou ao fim de 2014 com 4.945 megawatts de capacidade eólica instalada e já em condições de operação comercial, de acordo com a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE). O setor saltou de 90 usinas em condições de operação em 2013 para 195 este ano, o que representa um aumento de 117%.
Segundo o MME, a geração de energia eólica responde atualmente por 3,7% da capacidade instalada. A expectativa é de que, com os próximos leilões a serem realizados pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), essa participação suba para 8% até 2018.
Essa evolução, no entanto, pode ser atrapalhada pela falta de infraestrutura para a transmissão da energia gerada pelos ventos. Na avaliação do ministério, o país precisa fazer um investimento de R$ 6 bilhões para construir 4.087 quilômetros de novas linhas entre Bahia, Goiás, Minas Gerais e Espírito Santo. Outros R$ 600 milhões são necessários para a construção de 1.200 quilômetros de redes de interligação regional no Nordeste. O investimento estrutural é fundamental, pois somente quando for de fato estabelecida uma ampla rede de conexão entre as regiões produtoras e os maiores centros consumidores – localizados no Sul e Sudeste do país – a opção eólica se tornará economicamente viável.
A expansão da geração eólica tem recebido investimentos. No principal Leilão de Fontes Alternativas do ano (FA 2015), realizado em abril, foram contratadas três novas usinas, todas localizadas na Bahia, com capacidade de 90 megawatts e previsão de entrega da energia para janeiro do ano que vem. O mais recente Leilão de Energia Elétrica, realizado pela EPE em julho e com entrega prevista para 2018, contratou 19 projetos de usinas eólicas, com capacidade instalada de 538,8 megawatts nos estados da Bahia, Ceará, Maranhão e Piauí.
No total, foram contratados 29 projetos, com capacidade de 669,5 megawatts, correspondendo a investimentos de R$ 2,5 bilhões. O Leilão (A3-2015) teve a participação recorde de 475 projetos eólicos. “Outros leilões para fontes alternativas acontecerão ainda este ano, o que certamente aumentará ainda mais a oferta eólica”, diz o presidente da EPE, Maurício Tolmasquim.
No primeiro trimestre de 2015, segundo o órgão, entraram em operação comercial 781,4 megawatts em novos empreendimentos eólicos, o que representa 49% do total de energia nova instalada no período. Segundo as previsões da EPE, a capacidade das usinas eólicas no Brasil será de 22,4 mil megawatts em 2023, o que, segundo o Plano Decenal de Energia (PDE 2023), representará 11,5% da capacidade instalada de produção de energia do país.
Segundo os dados do MME, para 2015, a energia solar representa somente 0,01% da matriz energética nacional, isso depois de um aumento de 207% em relação a 2014. A atual capacidade instalada de captação solar é de míseros 15 megawatts. Em um país que tem grande exposição ao sol o ano inteiro, o resultado mostra o quanto o setor tem espaço para crescer. O principal gargalo para o desenvolvimento dessa modalidade no Brasil, no entanto, continua sendo a falta de tecnologia nacional para a produção das chamadas placas fotovoltaicas e seus componentes, além de outros equipamentos.
O governo tenta superar essa deficiência. O BNDES, por exemplo, aprovou este ano um financiamento de R$ 26 milhões para um projeto de nacionalização de componentes de painéis fotovoltaicos desenvolvido pela empresa alagoana Pure Energy. A operação, aprovada no âmbito do Plano Inova Energia, é a primeira aprovação de financiamento do banco para um projeto na cadeia de fornecedores de energia solar. A tecnologia a ser adotada pela Pure Energy é a de silício cristalino e foi escolhida, segundo a empresa, “devido a sua ampla aceitação no mercado e por ser uma tecnologia já dominada”.
Ao mesmo tempo, a academia também mobiliza recursos para o desenvolvimento de tecnologias nacionais. Um projeto conduzido por pesquisadores do Núcleo de Tecnologia em Energia Solar (NT-Solar) da Faculdade de Física da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), pretende criar placas solares mais eficientes que a média mundial, e a custos menores. O projeto já recebeu R$ 6 milhões em investimentos por meio de uma parceria entre Finep, Petrobras, Eletrosul e Companhia Nacional de Energia Elétrica. Os módulos, formados por 36 células solares, são capazes de converter 15,4% da energia solar em elétrica, enquanto a média mundial é de 14%. As melhores placas do mundo atingem o patamar de 16%. O objetivo final da pesquisa é fomentar a cadeia produtiva desse tipo de energia com materiais oriundos do mercado nacional.
O esforço para desenvolver tecnologia própria e competitividade na geração de energia solar é acompanhado pelo estímulo à expansão do setor no país. A EPE marcou para 14 de agosto o 1º Leilão de Energia de Reserva 2015, voltado preferencialmente à contratação de energia solar. Foram credenciados 382 projetos, em um total ofertado de 12.528 megawatts, com previsão de início do suprimento para agosto de 2017 e prazo de 20 anos: “Queremos diversificar a matriz elétrica e propiciar uma competição isonômica e o atendimento à garantia de suprimento”, diz Tolmasquim.
Enquanto o desenvolvimento da produção eólica e solar ainda não é suficiente para consolidar uma alternativa à dependência das hidrelétricas ou à queima de combustíveis fósseis e altamente poluentes, outras fontes de energia contribuem para a matriz brasileira. A produção de eletricidade a partir de biomassa, segundo o MME, participa este ano com surpreendentes 9,2% na capacidade instalada nacional, quase o mesmo resultado do gás natural (9,5%). No entanto, mais da metade da produção com biomassa se dá a partir da queima de bagaço de cana-de-açúcar, também considerada poluente.
A União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Única) queixa-se da falta de infraestrutura eficiente e de aspectos regulatórios para o desenvolvimento de uma cadeia de geração elétrica a partir da biomassa. Segundo a entidade, a energia produzida com o bagaço poderia aumentar até 15% em 2015, desde que devidamente estimulada. Paralelamente, o setor de biomassa vê crescer também alternativas mais sustentáveis, com o aumento no número de projetos para utilização do gás metano produzido em aterros sanitários ou de processamento do lixo urbano para geração de energia elétrica.
Como outra opção energética, o Brasil tem ainda a polêmica geração nuclear. As usinas Angra 1 e Angra 2, as únicas em operação no país, respondem hoje, segundo o MME, por somente 1,5% da capacidade instalada nacional. A construção de Angra 3 e a retomada de um programa nuclear, entretanto, fazem parte da agenda nacional de discussões, como admite o próprio governo. Uma sinalização dessa intenção foi a nomeação, em julho, do físico Rex Nazaré para a Diretoria de Projetos Estratégicos Nacionais da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos), órgão subordinado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).
Nazaré foi o principal formulador e executor do programa de autonomia tecnológica nuclear que levou o Brasil a dominar o setor como um todo ainda na década de 1980: “Mas esse domínio não foi materializado por completo no ciclo de desenvolvimento de energia nuclear no Brasil. Pretendemos materializar essa autonomia de tecnologia nuclear agora, na efetiva produção do ciclo completo”, disse o presidente da Finep, Luís Fernandes, ao justificar a escolha do físico.
Em maio, durante o Congresso Internacional sobre os Avanços de Plantas de Energia Nuclear realizado em Nice, na França, a Associação Brasileira para Desenvolvimento de Atividades Nucleares ratificou uma declaração internacional, assinada por 39 países, que aponta “a geração de energia nuclear como melhor alternativa para frear o aquecimento global”. Nas discussões com o setor, o governo brasileiro se comprometeu com a construção de 12 usinas nucleares até 2050.
Para atender à futura demanda, o objetivo é aumentar a produção brasileira de urânio, como afirmou o presidente das Ind