Em entrevista à DW, o presidente do fundo explica a coerência de deixar investimentos em petróleo e partir para as energias limpas – com a bênção póstuma do partriarca John D. Rockefeller.
Fundado em 1940 pelos filhos de John D. Rockefeller Jr., o Rockefeller Brothers Fund é uma fundação internacional dotada com 860 milhões de dólares. Com o anúncio de que sairia do mercado de petróleo e carvão, o fundo de investimentos tirou quase 1 bilhão de dólares do mercado de combustíveis fósseis e investiu-os na economia verde – tornando-se figura de destaque no movimento do desinvestimento.
Stephen Heintz é seu presidente desde 2001. Em entrevista à DW, ele fala sobre o que está por trás dessa ação, e porque é coerente uma empresa que cresceu às custas do petróleo deixar de investir em combustíveis fósseis.
DW: John D. Rockefeller (1839-1937) inaugurou uma nova era na história com a Standard Oil. Agora a família Rockefeller está encerrando a era do petróleo?
Stephen Heintz: Nós temos a esperança de ajudar a encerrar a era do petróleo. É hora de se afastar dos combustíveis fósseis e se mover o mais rápido possível em direção a energias limpas e renováveis, a fim de salvar o planeta. A era do petróleo está agora encontrando o próprio fim.
Porque o anúncio de que o Rockefeller Brothers Fund está saindo do mercado de petróleo e carvão causou tanta surpresa?
É irônico uma família cuja riqueza foi criada com a indústria do petróleo estar agora na liderança dos esforços para abandonar os combustíveis fósseis.
Os Rockfellers são uma das famílias mais ricas e influentes nos Estados Unidos. Qual foi o impacto do anúncio?
Eu acredito que ajudou a chamar a atenção para os riscos das mudanças climáticas e contribuiu de maneira significativa para dar impulso ao movimento de desinvestimento. Esperamos que isso ajude a criar uma mudança histórica.
Há cifras?
No momento em que os líderes mundiais se reunirem em Paris em dezembro para a conferência do clima, esperamos que o volume total de recursos alienados por investidores que se comprometeram a retirar fundos de combustíveis fósseis chegue a mais de 2,5 trilhões de dólares. Talvez mais.
Muitas instituições estão saindo do mercado de petróleo, carvão e gás. Proibir o carvão é um primeiro passo importante. Durante a Conferência do Clima em Paris, esperamos anunciar mais de 200 instituições participantes do movimento de desinvestimento – algumas são grandes.
Qual é a razão para essa enorme realocação de investimentos?
Uma urgência moral, assim como o impacto econômico global do carbono. Um de nossos outorgados é a Carbon Tracker, uma sofisticada organização de pesquisa sediada em Londres. Suas análises indicam que de 60% a 80% das reservas conhecidas de combustíveis fósseis devem permanecer no solo, sem serem queimadas. Essa é a única chance de nos mantermos abaixo da linha de aumento de 2°C na temperatura global, evitando maiores catástrofes climáticas.
Em 2014, o secretário-geral da ONU Ban Ki-moon e mais de 400 mil manifestantes marcharam pelas ruas de Nova York com o fim de mobilizar o ativismo em prol do clima. Os acionistas temem que as vendas de petróleo, carvão e gás diminuam?
Sim. Novas e indispensáveis leis climáticas e impostos sobre a emissão de CO2 vão desvalorizar esses recursos.
O que o senhor disse aos membros da família Rockefeller?
Nós dissemos que, como um fundo de doações que concede mais de 40% de seus subsídios para combater alterações climáticas, é moralmente inconsistente permanecermos investindo na indústria do combustível fóssil. Além disso, há uma forte causa econômica para sair do mercado de petróleo, carvão e óleo de alcatrão, e transferir os investimentos para energias limpas e novas tecnologias.
Em 1870, John D. Rockefeller fundou a Standard Oil, transformando-se no homem mais rico de seu tempo. Será que ele se reviraria no túmulo, ao saber das novidades?
John D. Rockefeller era um empreendedor e inovador brilhante. Ele tirou vantagem do que viu no futuro. Ele percebeu que o petróleo, essa nova substância que acabara de ser descoberta, tinha potencial para transformar o mundo – e gerar muito dinheiro. E fez as duas coisas.
O que Rockefeller faria hoje?
A Standard Oil foi a primeira companhia realmente global. John D. Rockefeller era um pensador e agente global. Hoje, ele estaria olhando para a Terra e vendo os enormes riscos da mudança climática, com conseqüências econômicas devastadoras, e grandes oportunidades no setor verde. Ele estaria olhando para a energia limpa e diria: “É para lá que o mundo está indo. É para lá que o mundo precisa ir. Eu quero chegar lá antes, para obter retornos significativos.”
Que tipo de organização é o fundo de investimentos Rockefeller Brothers Fund?
Nós somos uma fundação de concessão de subsídios com uma dotação de cerca de 860 milhões de dólares. Combater as alterações climáticas é a nossa prioridade número um. Cerca de 40% de nossos subsídios anuais são atualmente dedicados a salvar o clima. Por isso, nos sentimos cada vez mais desconfortáveis em financiar indústrias que estão causando o aquecimento global.
Quão próximo está o fim da era do petróleo?
Restam provavelmente de 20 a 30 anos.
Ainda é possível prevenir os cenários mais terríveis?
Estamos diante de dois momentos de guinada concorrentes na história global. Um deles é o clima: um ponto sem retorno. Se passarmos dele, não há mais recuperação, e nós sofreremos consequências devastadoras.
O outro é a reviravolta da economia verde. E a questão é qual ponto vamos atingir em primeiro lugar. É uma corrida contra o tempo. Temos de fazer tudo o que for possível para atingir o ponto da energia limpa em primeiro lugar.
O que acontece se falharmos?
Vamos enfrentar enormes transtornos climáticos, derretimento do gelo nos polos, secas e tempestades mais extremas e frequentes. Haverá uma perda massiva de espécies, e teremos que enfrentar enormes desafios para fornecer comida e água a bilhões de pessoas. Cidades ficarão debaixo d’água, ilhas inteiras desaparecerão. Haverá centenas de milhões de refugiados do clima.
Esse sofrimento e a luta por comida e água têm o potencial de causar novas guerras e conflitos. Nós poderíamos passar de uma era de guerras do petróleo para um período de guerras climáticas. Se não prevenirmos as alterações climáticas, a crise de refugiados que vemos hoje vai parecer pequena, comparada à crise que vai acontecer no final do século.
O que fazer?
Temos de acelerar e fazer investimentos maciços em energias limpas. Enquanto sociedade global, temos que proteger o planeta que temos. Este único planeta, do qual toda a vida depende.
Via DW – Irene Hell