Controles de pragas a partir de substâncias naturais, ou biopesticida, já são usados na agricultura e pecuária do país.
Todos os seres vivos têm seus inimigos naturais. Os pesticidas químicos são, há muito tempo, a solução mais difundida para pragas e doenças nas culturas. Mas à medida que crescem as preocupações em torno de seus efeitos colaterais negativos, as opções biológicas — ou biopesticidas — são cada vez mais exploradas como alternativas sustentáveis e ecologicamente responsáveis.
No Uruguai, tais opções também estão disponíveis, algumas mais avançadas que outras. E grande parte de seu desenvolvimento é apoiado pelo Estado ou por organizações locais e internacionais.
O Uruguai tem 14 agentes de controle biológico registrados (biopesticida) e mais 18 em produção, segundo dados de dezembro de 2021 fornecidos ao Diálogo Chino pelo Ministério da Pecuária, Agricultura e Pesca (MGAP) do país. São organismos ou elementos naturais que permitem o controle de pragas e doenças, incluindo parasitas, bactérias, fungos nocivos e vírus, nas culturas.
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Os biopesticidas são “uma linha em direção ao futuro que avança a um ritmo cada vez mais rápido”, diz Sebastián Viroga, coordenador nacional do Projeto Pesticidas, iniciativa da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO). “E o Uruguai, com essas e outras ações, busca estar na vanguarda e ser pró-ativo no desenvolvimento [desses insumos]”.O ministro da pasta, Fernando Mattos, concorda: “Há uma tendência e um maior uso de técnicas naturais de controle de pragas, e isto está crescendo. É um caminho que muitas pessoas têm tomado como alternativa e por conta da maior consciência com as questões relacionadas à sustentabilidade e à proteção ambiental”.
As formigas cortadoras de folhas são um problema frequente para produtores agrícolas e até criadores de gado, devido à quantidade de capim que elas podem consumir. São consideradas uma das principais pragas da América do Sul, atacando mais de 13 espécies de gramíneas.
A principal solução contra elas tem sido o uso de produtos químicos. Mas agora, um projeto uruguaio provou que dois fungos que habitam o solo (Beauveria bassiana e Trichoderma harzianum) podem trabalhar juntos para eliminar as formigas cortadoras de folhas. O produto, que contém os dois fungos e um óleo essencial de laranja que atrai as formigas, foi desenvolvido pela BIO Uruguay, centro de pesquisa sediado em Tacuarembó, no norte do país. O projeto tem apoio da FAO e de vários ministérios.
O pesticida natural está na fase final de licenciamento pelo MGAP. Alda Rodríguez, coordenadora técnico-científica da BIO Uruguay, disse ao Diálogo Chino que seus clientes da horticultura e de áreas florestais maiores esperam que o produto seja logo lançado no mercado local.
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Além dessa iniciativa, a FAO, por meio do Projeto Pesticidas, e o governo uruguaio, por meio de um programa de financiamento, têm promovido diversas iniciativas para incentivar a bioinformática — a maioria delas ainda em fase experimental. Uma dessas experiências perto de ser concluída envolve cem produtores, que analisam a eficácia de um ácaro nas culturas de tomate e pimentão.Para Natalia Martínez, diretora técnica no MGAP, a tendência dos biopesticidas é “uma mudança cultural” na aplicação tradicional de inseticidas e fungicidas. Ela destaca que, especialmente em espaços fechados, o uso de produtos químicos tem provocado riscos para a saúde e segurança dos trabalhadores.
Embora o uso de biopesticida seja uma alternativa conhecida pelos produtores, é preciso aumentar sua aceitação em escala, diz Rodríguez, da BIO. “Instituições públicas devem ser fortalecidas para ganhar conhecimento e equipamentos e para que possam dar maior apoio à questão, com o objetivo de agilizar o registro desses produtos”, acrescenta.
O ministro Mattos, da MGAP, concorda, acrescentando que sua escala ainda é pequena, e os custos de investimento para seu desenvolvimento são altos.
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O licenciamento dos biopesticidas não é uma mera formalidade, e para consegui-lo, devem passar por rigorosos estudos de eficácia e análises de toxicidade, entre outras exigências. O Uruguai isenta pesquisadores e desenvolvedores do pagamento da taxa de registro como sinal de apoio ao seu desenvolvimento. Embora seja uma concessão bem-vinda, os custos mais altos são em análises laboratoriais e testes agronômicos.
“Estamos fazendo um grande esforço para conseguir que tudo seja licenciado. O apoio [do governo] nos registros é a forma de cooperar”, diz Natalia Martínez.
O registro de pesticidas tem sido tradicionalmente uma área de trabalho exclusiva do MGAP e, dentro dele, da Diretoria Geral de Serviços Agrícolas. Mas em 2021, o ministério assinou um acordo com o Ministério do Meio Ambiente para rever os requisitos de registro e adaptá-los às demandas de outros países e mercados, com vistas a futuras exportações.
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“[Avaliar os biopesticidas] é muito mais complexo do que um produto químico”, explica Leonardo Olivera, diretor geral de serviços agrícolas do MGAP.O processo inclui testes para avaliar sua eficácia e as condições de transporte e concentrações necessárias, além de sua atuação ao longo do tempo. O Uruguai, diz Olivera, precisa de mais pessoal especializado para trabalhar nos registros, dado o recente aumento da demanda e a perspectiva de expansão em breve.
Olivera diz que o ministério tem dialogado com países da região, como Brasil e Chile, e com aqueles que trabalham com essas questões na Europa. Ele acrescenta que eles enfrentam desafios comuns que precisam ser resolvidos rapidamente pelos órgãos reguladores, uma vez que “o agronegócio é um setor inovador que se move muito rapidamente”.
Daniel Bentancur é um dos fundadores da cooperativa de orgânicos Punto Verde, no departamento uruguaio de Canelones. Ele se lembra de ter sido tratado como quase “louco” quando começou a produção de insumos orgânicos há 25 anos. Punto Verde montou seu próprio laboratório para produzir biopesticidas, e agora, em parceria com a BIO Uruguay, desenvolve um fungo (Isaria javanica) para combater a mosca branca, praga agrícola bastante comum.
“Essa ferramenta [o fungo], quando usada corretamente, não é como um produto químico que você aplica um ano, e no ano seguinte você aplica mais doses, e no ano seguinte não é mais útil, e você muda para outro produto químico”, diz Bentancur.
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Graças ao uso amplo desse fungo, Bentancur diz ao Diálogo Chino, a mosca branca não é mais considerada um problema em Punto Verde.Em outros lugares do país, há outras alternativas naturais a serem exploradas. César Basso, pesquisador da Universidade da República, na capital uruguaia Montevidéu, vem trabalhando há décadas no tema. Sua mais recente linha de trabalho — apoiada pelo Projeto Pesticidas, da FAO — tem sido o uso de vespas para combater pragas em plantações de soja.
Basso é cauteloso sobre a viabilidade econômica dos biopesticidas, embora seja um defensor dos mesmos. Quando questionado sobre a questão, ele afirma que existem alternativas biológicas menos caras que a síntese química, mas nem todas. Além disso, as opções biológicas tendem a exigir mais trabalho para o agricultor — não se trata simplesmente de aplicar certa quantidade e deixá-la funcionar. São organismos vivos, com muito mais variáveis em jogo que podem ter um papel no seu sucesso ou fracasso.
“No Uruguai, um dos problemas que temos é que inseticidas químicos são muito baratos, pois são produtos genéricos importados principalmente da China. A [diferença de custo] é a primeira limitação para qualquer projeto de controle biológico e difícil de superar”, diz Basso.
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Os que embarcam nessa mudança ainda são minoria, mas têm elementos a seu favor. “É também uma ferramenta para aumentar o valor de sua produção”, diz Basso. “Os produtores que se envolvem não querem voltar atrás porque se sentem mais confiantes”.
Em junho de 2021, a BIO Uruguay lançou um projeto, com apoio do MGAP, que usa fungos para controlar carrapatos em gado. Na ocasião, o então ministro Carlos María Uriarte discursou para um público de quase cem pessoas, incluindo grandes produtores de gado, sobre o uso de alternativas bem-sucedidas de pesticidas no Uruguai.
Fernando Gallo começou a usar biopesticidas em sua produção hortícola após anos de uso de pesticidas químicos. Ele diz não querer voltar atrás. Em sua fazenda em Tacuarembó, ele testou diferentes opções. “Uma vez que você começa a limpar os produtos químicos do solo, há uma grande diferença, você não volta para eles”, diz Gallo.
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Para Rodríguez, o que acontece com Gallo é lógico: “Quando um agricultor começa a usar um biopesticida, abre-se uma nova janela. Isso não só influencia o problema em particular, mas todo o sistema de produção, e eles mudam para um manejo mais sustentável”.A superação do domínio de pesticidas químicos levará tempo, investimento e apoio em vários níveis, mas com um crescente elenco de pesquisadores e ativistas de alternativas naturais e uma crescente reputação de seus impactos enriquecedores no solo, a absorção de biopesticidas no mercado parece destinada a continuar no Uruguai.
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