19 de junho, 2016
Enquanto o Japão se debate para resolver os danos incalculáveis do desastre em Fukushima, e a Ucrânia, 30 anos depois da explosão, ainda tenta isolar o que restou da Usina de Chernobyl, construindo um “sarcófago” (Chernobyl Nuclear Power Plant Sarcophagus) em volta do que restou, a indústria nuclear inicia um esforço sem precedentes para tentar reverter a péssima imagem e ampliar a venda de reatores para todo o mundo.
Em grande parte o esforço parece estar dando certo: o mundo tem atualmente 450 reatores nucleares para fins pacíficos operando em 33 países, e há 50 novos em construção. O objetivo dos fabricantes de equipamentos é triplicar o número de usinas nucleares até 2050, aumento que representaria 25% da eletricidade mundial.
Contudo, sem grande interesse dos países desenvolvidos – Japão e Alemanha, por exemplo, estão tentando abandonar totalmente os reatores nucleares – os olhos da indústria se voltam para os países em desenvolvimento.
Durante o Congresso Mundial de Energia nuclear (AtomExpo 2016), que reuniu cerca de 5 mil pessoas de 55 países em Moscou, a diretora-geral da Associação Mundial de Energia Nuclear, Agneta Rising, disse que acredita que a entrada de novos atores no mercado poderá possibilitar esse aumento. Hoje, a energia nuclear responde por 11% da matriz energética mundial, segundo ela.
“O aumento da demanda e a necessidade de energia limpa para reverter o quadro das mudanças climáticas são nossos maiores estímulos. Triplicar é possível, temos muita experiência para fazer essa ampliação de novos países na comunidade nuclear. Mas, para isso, não podemos criar novos obstáculos nem recuar”, acrescentou.
Quando fala de “energia limpa”, a representante da indústria se refere à emissão de CO2 quando todo o processo de produção nuclear de eletricidade funciona sem acidentes. A indústria também não costuma levar em conta o armazenamento do lixo radioativo e o que será necessário fazer quando as usinas chegarem ao fim de sua vida útil e precisarem ser desmontadas e o lixo guardado.
O congresso coincide com o aniversário de 30 anos do acidente de Chernobyl, na Ucrânia, o maior desastre nuclear da história, que causou a morte de cerca de 4 mil pessoas, segundo a Organização Mundial da Saúde, e contaminou áreas da Ucrânia, Bielorrússia e Rússia. Um em cada cinco bielorrussos vive em solo contaminado, e a zona de exclusão de 30 km ao redor de Chernobyl permanece até hoje.
O vazamento na usina de Fukushima, há quatro anos, foi o segundo maior acidente da história e causou uma reviravolta no setor. Países como a Alemanha, o Japão e a Suíça decidiram abandonar o projeto nuclear gradualmente depois do acidente, que devastou o Nordeste do Japão e deixou quase 100 mil desabrigados.
A defesa da energia nuclear como sendo limpa e segura foi ativa durante o evento. A estatal russa Rosatom patrocinou a viagem de dezenas de jornalistas de vários países para a cidade Novovoronezh, a 500 quilômetros ao sul de Moscou. Os jornalistas eram, sobretudo, de nações em desenvolvimento, como Índia, Nigéria, Brasil, Argentina e Bolívia, onde boa parte da população vê com desconfiança e temor a construção de usinas nucleares.
O Brasil tem dois reatores nucleares funcionando e um em construção no Rio de Janeiro. A energia nuclear representa menos de 3% da matriz energética no país. A construção de um terceiro reator teve início em junho de 2010, porém está parada devido a irregularidades. Antes da crise econômica e da instabilidade política, o governo chegou a anunciar que o Plano Nacional de Energia contemplaria a construção de pelo menos quatro usinas nucleares até 2030.
De acordo com o representante do Greenpeace para a área energética no Brasil, Thiago Almeida, a combinação das fontes eólica, solar, biomassa e hidroelétrica é capaz de atender à demanda nacional se houver investimento.
“O custo total de Angra 3 foi orçado em R$18 bilhões, mas não inclui o preço para descomissionar a usina, ou seja, desligá-la e desmontá-la, que é de cerca de US$1 bilhão”, disse. “Sem incentivos do governo, essas usinas não são competitivas. Se tivermos um parque elétrico bem dimensionado com usinas solar e eólica, energia solar domiciliar e biomassa, poderemos economizar água, recuperar reservatórios e usar as hidrelétricas como grande bateria para quando as outras fontes estiverem com pouca geração de energia”.
Uma usina dura em média 40 anos, mas a vida útil de algumas tem sido estendida para 60 anos ou mais, afirmou. “Somente pelos riscos envolvidos, a energia nuclear nem deveria ser uma opção. As estimativas que se têm são de cerca de R$1,5 trilhão com Chernobyl e mais de R$300 bilhões para Fukushima em gastos com acidente, assim como o descomissionamento das usinas, ao final da vida útil delas. São custos que não estão embutidos nos custos vendidos pela indústria do setor. Outra coisa é o lixo atômico, que gera um prejuízo social, ambiental e econômico por dezenas de gerações”.
Ainda segundo Almeida, de 1946 a 2013 ocorreram 174 acidentes nucleares no mundo. “Cada acidente desse poderia ter virado um desastre”. Para ele, os defensores das usinas nucleares têm uma visão estritamente focada em seu potencial produtivo e tecnológico. “Por um lado, há aquela fé de que a energia nuclear é a tecnologia do futuro e de que temos que dominá-la, que é estratégica. O nível de aceitação do risco de acidentes por parte desses especialistas é inaceitável”, afirmou.
Almeida também ressaltou que a construção de usinas leva muitos anos e envolve muitos atores e grandes obras com grande investimento público, o que facilita superfaturamento e corrupção. “Quanto maior a obra, maior espaço para corrupção. A própria Operação Lava Jato tem evidenciado isso”, disse ele. “Usinas nucleares e investimento em energia solar distribuída [para cidadãos] não valem a pena no esquema de corrupção, pois o retorno é muito pequeno”.
Representantes da indústria nuclear levaram jornalistas de vários países, sobretudo de nações em desenvolvimento, como Índia, Nigéria, Brasil, Argentina e Bolívia, para participar de um congresso visando melhorar a imagem da indústria nuclear no mundo.
Imagem Flávia Villela Agência Brasil
Via Inovação tecnológica com informações da Agência Brasil