Nos EUA, dois casos de linfomas foram atribuídos à substância(glifosato). Em Portugal, 18 mil assinaram uma petição para proibir o herbicida. A discussão já chegou ao Parlamento.
É comercializado para uso agrícola desde 1974, inalado e ingerido por muitos portugueses. Estamos a falar do glifosato, hoje o herbicida mais comum do mundo, mas também aquele que tem o potencial contributo de aumentar o número de doenças cancerígenas, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS). É ainda objeto de muita controvérsia por causa do seu impacto no meio ambiente. Mais chocante: poderia simplesmente ser substituído por outros produtos e até há alternativas naturais.
Uma equipa de cientista da Universidade de Tübingen, na Alemanha, descobriu uma opção natural que tem os mesmos efeitos do glifosato. Uma molécula de açúcar libertada por um tipo de cianobactérias, também chamada de algas verde-azuladas e que poderia ser uma solução menos prejudicial para humanos e meio ambiente.
O glifosato é um herbicida sistémico de amplo espectro e que seca culturas. É um composto usado para matar ervas daninhas que comprometem o cultivo. É comercializado pela Bayer que por várias vezes argumentou que a ciência confirma que os herbicidas não causam cancro.
A aplicação da substância química deve seguir regras precisas. O produtos que contêm glifosato ou outros herbicidas têm um modo de aplicação, doses recomendadas e intervalos de segurança que devem ser cumpridos. Os agricultores são obrigados a participar em cursos e, depois de concluírem a formação, recebem um cartão que lhes permite adquirir o herbicida.
Um dos maiores problemas do glifosato centra-se nos países americanos, onde são cultivados alimentos geneticamente modificados – 80% dos chamados OGM são resistentes à substância, o que significa que uma plantação transgénica pode ser pulverizada com herbicidas sem que a cultura morra, afetando apenas as ervas daninhas.
Estes transgénicos estão, por enquanto, proibidos na Europa. Mas há um que pode ser semeado – a variedade de milho MON 181 – e Portugal é um dos quatro países que o cultiva. Além disso, mais de 90% da alimentação animal é feita de transgénicos resistentes ao glifosato e acabamos por ingeri-lo indiretamente.
A licença de utilização do agrotóxico na Europa foi renovada em 2017 por um novo período de cinco anos. A 7 de março, o Tribunal Geral da União Europeia mandou divulgar estudos de toxicidade e do potencial cancerígeno da substância. Já nos EUA, o mesmo herbicida – intitulado de Roundup –, comercializado pela multinacional Monsanto, foi considerado o causador da doença oncológica do septuagenário Edwin Hardeman, por um júri do país norte-americano. Entretanto, a empresa continua a afirmar que o glifosato não provoca cancro.
A Monsanto já tinha sido condenada em 2018 num caso semelhante. Dewayne Johnson, um jardineiro de 46 anos, trabalhou vários anos numa escola na Califórnia, onde uma das suas tarefas era a aplicação de herbicidas. Chegava a fazê-lo 30 vezes por ano e, por duas vezes, sujou-se acidentalmente com o produto. Usava o Roundup e o Ranger Pro – ambos produzidos pela multinacional – que contêm glifosato. Em 2014, Dewayne foi diagnosticado com um linfoma e a empresa, que em 2016 foi adquirida pela Bayer, foi condenada a pagar 251 milhões de euros ao jardineiro. Há outras cinco mil queixas do género só nos EUA.
A OMS, através da Agência Internacional de Investigação para o Cancro, estudou o herbicida durante um ano. 17 investigadores tomaram uma decisão unânime: classificar o glifosato como potencialmente cancerígeno.
Segundo a base de dados de inseticidas e herbicidas autorizados na União Europeia, há 83 substâncias ativas que podem ser usadas em herbicidas só em Portugal. No nosso País, algumas câmaras municipais já proibiram o seu uso e, desde 1991, que os pesticidas químicos, onde se inclui o glifosato, estão banidos na agricultura biológica.
Um relatório da Quercus alerta: “A situação em Portugal é particularmente grave. Em 2012 aplicaram-se no País, para fins agrícolas, mais de 1400 toneladas de glifosato, e esse consumo tem vindo a aumentar: entre 2002 e 2012”. A Associação Nacional de Conservação para a Natureza sublinha mesmo que “o uso de glifosato na agricultura mais do que duplicou”.
Em fevereiro, um estudo publicado na Science Direct, concluiu que o uso de glifosato pode aumentar em 41% o risco de linfoma não-Hodgkin, um tipo de cancro que se desenvolve no sistema linfático e que afecta, por ano, 1700 pessoas em Portugal. E “estes resultados são muito convincentes “, disse ao “Le Monde” uma das autoras do estudo, Emanuela Taioli, professora de epidemiologia em Mount Sinai.
O glifosato é um “herbicida de largo espectro, não seletivo, o que significa que não mata apenas ervas daninhas”, revelou Hans Dreyer, um especialista da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura em declarações jornal “Público”. O problema é que é uma solução eficiente e barata.
Só em 2017, foram realizados mais de 700 estudos que continham a palavra “glifosato”. Não existem muitas alternativas disponíveis entre os herbicidas não seletivos. Há o glufosinato de amónio e o paraquato, que em Portugal já não está disponível.
O estudo da Universidade de Tübingen, publicado no “Nature Communications” em fevereiro, explica que há uma alternativa natural que advém de uma molécula de açúcar libertada por um tipo de cianobactérias. No fundo, os cientistas descobriram que este 7dSh atua exatamente da mesma forma que o glifosato, sem os efeitos nocivos.
O resultado é o mesmo que produz o herbicida, já que as plantas tratadas com o açúcar veem o seu crescimento interrompido. O açúcar age sobre outra enzima, mas é a mesma via metabólica, a chamada via do chiquimato, em que plantas e microrganismos produzem importantes aminoácidos. Esse tipo de metabolismo não existe em formas mais avançadas de vida, como humanos e animais, e o açúcar é inofensivo para a saúde.
A Comissão Europeia autorizou o uso do herbicida no continente até 2022, que é quando voltará a fazer uma avaliação. Por cá, uma petição de 18 mil assinaturas contra o seu uso já chegou ao Parlamento. Contudo, as vendas do glifosato caíram entre 22,7% entre 2014 e 2017. As alternativas já estão a ser consideradas, mas deverão ser mais caras.