À medida que os invernos ficam mais curtos e neve e geleiras desaparecem, as pessoas passam por uma ansiedade ecológica. Saiba o que é isso.
Quando as pessoas visitam geleiras hoje em dia, em geral não é para se maravilharem, mas para lamentar seu desaparecimento. Geleiras em todo o mundo, desde as do Oregon, nos Estados Unidos, até os Alpes suíços, têm sido local de funerais simbólicos em que as pessoas homenageiam antigas calotas polares declaradas mortas.
Em 2019, uma cerimônia desse tipo foi realizada na geleira Okjökull da Islândia, considerada a primeira geleira morta devido à mudança climática. Os enlutados revelaram uma placa anunciando que as principais geleiras do país devem desaparecer nos próximos 200 anos.
A tensão psicológica causada pela perda visível de paisagens icônicas de inverno foi chamada de “tristeza climática” por Panu Pihkala, pesquisador da Universidade de Helsinque, na Finlândia, especializado em eco-ansiedade.
Embora durante décadas as comunidades tenham experimentado “mal-estar e desconforto nas mudanças das estações” devido às mudanças climáticas, esta ansiedade se deslocou para o luto à medida que a neve e o gelo recuam visivelmente, explicou Pihkala.
O luto pela perda do inverno vai se espalhar mais amplamente à medida que o aquecimento global aumentar. O Polo Norte, aquela mítica terra maravilhosa do inverno no Ártico, está aquecendo três vezes mais rápido do que a média global. Num futuro não muito distante, as representações culturais do Natal europeu e americano com pessoas empacotadas em gorros e cachecóis patinando em lagos congelados ou escorregando por montanhas cobertas de neve podem ser coisa do passado.
A dor climática é difícil de conciliar porque antecipa uma perda que muitas vezes ainda não ocorreu, disse Pihkalu. Ele observa que este ano houve muita neve na Finlândia, mas no ano passado houve pouca. Isto aumenta a ansiedade existente sobre querer neve mas não saber se ela virá, um sentimento que Pihkala observou ter uma palavra específica em finlandês, “lumiahdistus”.
A dor climática relaciona-se com “solastalgia” − uma combinação de solace, consolo, e da palavra grega para dor, algos − um termo cunhado pelo filósofo ambientalista Glenn Albrecht para descrever a dor psíquica causada pela perda de ambientes em que encontramos conforto.
“Ao contrário da nostalgia − a melancolia ou saudade de casa vivida por indivíduos quando separados de um lar querido − a solastalgia é o sofrimento produzido pela mudança ambiental”, escreveram Albrecht e seus colegas pesquisadores em um artigo de 2007 na revista Australasian Psychiatry.
Mas com a perda visível de geleiras e paisagens de neve, esta solastalgia se transformou no que alguns pesquisadores estão chamando de “tristeza ecológica”.
Essas emoções ecológicas também são impulsionadas por uma perda material e cultural mais profunda. Os povos indígenas no Alasca, por exemplo, estão experimentando um medo real, pois o derretimento do gelo marinho ameaça as comunidades tanto com o deslocamento quanto com a perda do que a pesquisadora polar Victoria Herrmann chamou de “um modo de vida transmitido desde tempos imemoriais”.
Para a comunidade saami, que vive perto do círculo ártico, a neve é seu sangue vital − especialmente em termos da cultura tradicional de criação de renas.
“Se as renas não são pastoreadas em duras nevadas ou geadas, a base de todo o sustento se desvanece”, disse Klemetti Näkkäläjärvi, antropólogo cultural saami da Universidade de Oulu, na Finlândia, em uma palestra sobre mudanças climáticas e o povo saami.
“A mudança climática é igual à mudança cultural para muitos povos indígenas”, disse Näkkäläjärvi antes da conferência da ONU sobre o clima em 2021. Por ter vivenciado o estilo de vida saami, Näkkäläjärvi disse que vê “mudanças todos os dias”, incluindo a perda de linguagem devido a alterações relacionadas ao clima.
A perda de geleiras de montanha do Kilimanjaro aos Alpes europeus também tem um impacto psicológico peculiar.
Enquanto existe uma ligação cultural com as montanhas e sua “multitude de ecossistemas diferentes”, as geleiras tornam essas paisagens “únicas na imaginação das pessoas”, observou Giovanni Baccolo, pesquisador em Glaciologia na Universidade de Milão-Bicocca, na Itália.
“As geleiras são literalmente outro mundo”, acrescentou ele, “ícones das montanhas”. Mas, como elas estão se retraindo, nossa identificação com as paisagens de montanha “empobreceu”, diz Baccolo. Quando essas calotas de gelo derreterem, as gerações futuras não desenharão montanhas alpinas “com um chapéu branco”.
Baccolo publica fotos nas mídias sociais comparando as geleiras de hoje com as de um século atrás.
“O recuo das geleiras é um símbolo extremamente poderoso das consequências ambientais das mudanças climáticas”, disse Baccolo. “É inegável que, quando olhamos para comparações mostrando o drástico recuo das geleiras, ficamos impressionados”.
A perda de símbolos do inverno, como as geleiras, alertou as pessoas para a rapidez da mudança climática.
Como diz a placa comemorativa no Glaciar Okjökull da Islândia: “Nós sabemos o que está acontecendo e o que precisa ser feito. Só você sabe se nós o fizemos”.
Sören Ronge, coordenador na Europa da ONG de defesa do clima Protect Our Winters, reconhece a “ansiedade climática”, mas procura “engajar as pessoas a falar em defesa do clima e pressionar os governos para que encontrem soluções”.
Para Pihkala, a dor climática pode levar à resistência, mas isso depende da resiliência psicológica dos ativistas. “A sensação de ansiedade e tristeza muitas vezes leva também à culpa”, disse ele, descrevendo o processo de reconhecimento de que todos nós estamos participando da emergência climática.
Baccolo acredita que testemunhar o ritmo chocante do derretimento das geleiras aumentou radicalmente nossa consciência da crise climática e nossa contribuição para ela. “Estamos tristes”, disse ele, referindo-se aos funerais de glaciares desaparecidos. “Vemos um elemento incrível da natureza desaparecer e sabemos que desempenhamos um papel nisso”.