Em 2002, Rodolfo Penteado foi vítima de uma tentativa de assalto que quase tirou sua vida. Levou um tiro no rosto de um menino que não devia ter mais de 11 anos. Mesmo sofrendo de pressão alta e com problemas emocionais, resolveu deixar de sentir raiva e perdoar a criança. Para evitar outros acidentes como o que sofreu, fundou a ONG Agrisol Vale, que trabalha com jovens infratores e responsabilidade ambiental.
A Agrisol Vale fica na cidade de Sete Barras, no Vale do Ribeira. A região, repleta de reservas de Mata Atlântica, abriga o palmito-juçara, uma espécie que está em extinção por causa da atividade predatória realizada por grupos de caiçaras que vivem ali. “Para a cultura caiçara, o palmito é algo que Deus colocou no mundo. Então se ele é um filho de Deus, entende que pode ir lá e extrair”, conta Rodolfo.
No entanto, a atividade é proibida. “O governo brasileiro assinou alguns acordos com a ONU a partir da década de 70 e criou reservas estaduais, onde o palmito é protegido por lei. Extraí-lo é um crime ambiental”, explica.
Para reduzir o número de jovens infratores e preservar a floresta, a Agrisol Vale trabalha com 27 famílias de pequenos agricultores. A entidade possui uma área de reflorestamento onde as ensina a plantar o palmito-juçara, evitando que seus integrantes pratiquem a atividade ilegal ou, pior, se tornem jovens infratores como aquele que mudou a vida de Rodolfo para sempre.
A história da Agrisol Vale começa com a história de Rodolfo, que estava na rua às 4h30 da manhã após um baile de Carnaval em Juquehy, no litoral norte de São Paulo. Na época, tinha 44 anos. Ele conta que estava completamente à vontade, descalço e sem camisa, quando alguns meninos o abordaram, anunciando um assalto.
Era visível que estavam bastante drogados. “Tentei acalmá-los, falei ‘olha, tenho dinheiro, sou uma pessoa calma o tempo todo’. Talvez tenham se assustado com algum gesto que fiz”, conta. Rodolfo levou um tiro abaixo da orelha esquerda enquanto os meninos não saíram com sequer um centavo.
O tiro acertou uma região cheia de nervos, muito sensível. Rodolfo acabou perdendo parte da sensibilidade do rosto e a capacidade auditiva de um ouvido. A bala está fragmentada e alojada no osso até hoje. No entanto, não foi ela quem trouxe seus maiores problemas. O que Rodolfo precisou enfrentar após o acidente foi uma depressão que não deixava sua pressão arterial chegar ao níveis normais.
“Eu ainda estava na UTI do hospital Santa Isabel, em São Paulo, quando o chefe dos médicos me disse que estava tomando o melhor remédio do mundo para abaixar minha pressão”, recorda. “Mas ela não abaixava. Nesse momento, dei uma abraço mental no menino e pensei ‘vou fazer uma ONG, para que outros meninos não façam a mesma coisa’. Dei uma abraço mental e perdoei esse menino”, conta.
A ideia inicial de Rodolfo era fundar uma ONG para trabalhar com jovens infratores no centro de São Paulo. O Vale do Ribeira virou plano de vida quando seu pai, um empresário que decidiu se mudar para o meio do mato depois de aposentado, precisou vir para a capital fazer uma cirurgia.
Na hora de voltar para casa, em Sete Barras, foi Rodolfo quem o levou. Chegando lá, o caseiro responsável por cuidar do pedaço de terra do pai de Rodolfo disse que todos os palmitos haviam sido roubados. O ocorrido precisou ser reportado à polícia, que prendeu os jovens infratores.
Rodolfo decidiu que a ONG deveria funcionar ali mesmo. A extração do palmito no Vale do Ribeira faz parte de um contexto particular da cultura caiçara segundo Rodolfo, pois tornar essa atividade uma fonte de renda é tradição das famílias que vivem ali há décadas.
No entanto, quando essa espécie é extraída, alguns bichos perdem seu alimento, como o tucano, o quati e o macaco. “Geralmente, o palmito-juçara leva oito anos para produzir frutos. Quando o caiçara extrai, faz um estrago razoável em apenas uma noite”, explica. Por isso, trabalhar com essas família de pequenos agricultores é um processo complicado de educação.
“Culturalmente, eles não entendem que o palmito não é só deles, e sim coletivo, da Mata Atlântico. O Ibama cuida e controla, mas sozinho não dá conta. Se uma consciência ambiental não for construída, não adianta.”
A Agrisol Vale tem 30 mil mudas de palmito-juçara que eram cultivados pelos meninos e suas famílias. Infelizmente, está desativada por falta de recursos financeiros. Os custos eram bancados pela família de Rodolfo e pelos cursos de joalheria que ele ministra em seu ateliê, ofício que aprendeu ainda jovem. A ONG é a paixão de Rodolfo e seu projeto de vida: ele acredita que será possível reativá-la em breve e, para isso, tem um novo projeto: o Fradinho.
O Fradinho é um restaurante de culinária vegana e macrobiótica localizado na Vila Madalena, em São Paulo. Rodolfo o fundou em agosto do ano passado. No local, também dá seus cursos de joalheria.
A alimentação macrobiótica é mais uma paixão de Rodolfo e outro fator responsável pela sua recuperação após o acidente. Médicos e neurologistas disseram que ele teria muitos problemas, como síndrome do pânico. “Recebi uma lista enorme do que poderia ter e cinco folhinhas de receita, com antidepressivos tarja preta”, conta.
Foi direto para o homeopata. “Ele me disse que eu poderia rasgar aquelas receitas e que não precisaria de nada daquilo. Comecei um tratamento de homeopatia muito complicado, lento e minha saúde ficou muito abalada”, revela. Quando fez exames para uma cirurgia, um cardiologista disse que se fizesse certa dieta, melhoraria. Na época, estava tomando remédio para pressão. Mas com a alimentação macrobiótica, não foi mais necessário. “Suspendi o remédio e entendi que alimentação é muito importante”, explica.
Para trazer mais pessoas para a alimentação saudável, fundou o Fradinho, que ainda não fatura o suficiente para reativar a Agrisol Vale. Mas no futuro, isso pode ser possível, acredita Rodolfo.
A alimentação macrobiótica é uma filosofia de vida milenar. Enfatiza o consumo de alimentos quase neutros, como cereais integrais, legumes e leguminosas, e a atividade física. Busca o equilíbrio total no corpo, balanceando níveis de sódio e potássio. O Fradinho fica na rua Fradique Coutinho, número 1.157, e, além do restaurante, abriga também o ateliê de Rodolfo, que está quase sempre lá para receber seus clientes e contar um pouco da sua história. Que tal conhecer?
Pratos de almoço no Fradinho. Fotos: Reprodução/Facebook Fradinho
Via Free The Essense por Camila Luz – Imagem Alessandra Haro