A busca por materiais alternativos para a fabricação de pranchas de surf é um tema instigante por tratar não somente das novas formas de abordar o desempenho obtido ao surfar uma onda, mas também da delicada questão ambiental inerente ao processo produtivo do instrumento básico para a prática do surf.
Agave Surfboards | English Subtitles from Capim Filmes on Vimeo.
O recente vídeo sobre o trabalho do shaper e designer carioca Thomas Scott mostrando um pouco do proceso produtivo de belos shapes utilizando o agave como matéria-prima, produzido pela Capim Filmes, reacendeu o desejo de abordar de novo este tema. Mais legal ainda foi descobrir que Thomas está levando o seu trabalho um passo adiante, ao explorar as possibilidades do uso do miriti – uma espécie de madeira extraída de uma palmeira típica da Amazônia – como bloco para as suas pranchas.
Apesar de recusar o batido rótulo de “sustentável”, Thomas investe nesta inovação confiante na possibilidade unir as boas práticas de produção, com o essencial desejo de aprimorar cada vez mais a performance proporcionada por suas ferramentas aquáticas. Para isso, ele conta com uma extensa bagagem de pesquisa em design e materiais, o talento no trabalho artesanal e a paixão pela atividade de shaper, que pode ser conferida na entrevista a seguir:
1 – Conte um pouco sobre a sua formação profissional, idade, onde vive e a sua relação com o surf?
Minha formação é em Design de Produto, pelo Centro Universitário da Cidade- RJ. Tenho 28 anos. Moro no Rio de Janeiro, em Copacabana. Comecei a surfar com 14 para 15 anos, no Arpoador. Quem me apresentou ao surf foi o meu primo, um pouco mais velho do que eu. Eu ja andava de skate desde criança, então isso ajudou bastante, ja tinha uma base para esportes com prancha. De lá para cá, pegar onda vem se tornando cada vez mais importante para mim.
2 – Desde quando você produz pranchas de surf e como iniciou a experiência com o Agave?
Fiz minha primeira prancha em 2004. Sempre gostei de trabalhar usando as mãos. Na época da escola cheguei a trabalhar como assistente de uma artista que restaurava obras de art. Eu tinha o maior fascinio e respeito pela figura do shaper. Meu primeiro conhecimento sobre o agave foi pelo meu pai. Eu estava precisando fazer um taco para dar o finish nas pranchas e normalmente a madeira que se usa é balsa, que por ser leve não lesiona o ombro com a repetição dos movimentos.
Não encontrava balsa para vender aqui no Rio. Daí meu pai que é biólogo me falou sobre o Agave com uma alternativa à Balsa. Isso foi em 2005. Mas só fui fuçar mais sobre o assunto quando vi as pranchas do (Gary) Linden, John Cherry e do Jim Philips no Swaylocks.com. Comecei a mapear onde tinha agave no Rio de Janeiro e em 2008 coletei agave o suficiente para fazer um bloco. Na sequencia soube do trabalho da Agave Hunter que foi pioneira na comercialização de blocos de agave no Brasil e no mundo, eu acho. E pesquisando na internet mais recentemente, conheci o trabalho do Miguel Aragão, de Portugal, que já fez várias pranchas de Agave. Muito bem feitas.
3 – Como você vê as experiências que estão sendo feitas com materiais alternativos para pranchas de surf atualmente no mundo?
Na ultima década, houve bastante expeximentalismo e inovação em materiais. Surgiram novas tecnologias como a firewire, desenvolvidas incialmente pelo Bert Burger da Sunova. A firewire conseguiu aumentar o efeito “mola” ou “estilingada” nas suas pranchas, foi uma grande inovação. As pranchas ocas de fibra de carbono daAviso, as pop-out da Surftech, longarinas parabólicas, etc. Diferente materiais e diferentes respostas dentro d´agua.
É tambem interessante o resgate de métodos que estavam esquecidos, como as pranchas ocas de madeira que a Siebert faz aqui e lá fora a Grain. Sem falar das Alaias feitas em madeira tambem. Acho que a diversidade é o melhor disso tudo, pois permite diferentes experiencias. Apesar de 90% das pranchas no Brasil serem 6’0 triquilha, hoje voce começa a ter outras opções fora desse paradigma. Isso torna o surf mais divertido e menos pasteurizado.
4 – Como está a sua produção atual de pranchas de Agave e quais modelos mais gosta de fabricar? Você também fabrica modelos com outras madeiras e blocos convencionais?
Minha produção de pranchas é e sempre foi feita em pequena escala. Pretendo manter assim, pois posso fazer cada prancha dando máxima atenção ao design, detalhes e acabamento. A prancha feita assim é um objeto unico e bastante pessoal.
Gosto muito de fazer modelos alternativos à pranchinha standard. Por exemplo, monoquilhas, stubby, mini-simmons e outras releituras de modelos antigos, qualquer coisa que acrescente uma nova experiencia dentro d´agua.
De 2012 para cá, fiz uma transição dos blocos de Poliuretano para os blocos de matéria prima vegetal. No caso o Agave e o Miriti. A prancha de miriti é uma inovação e um desdobramento das pranchas de agave. O miriti é o pecíolo de uma palmeira nativa. Ja fiz algumas e o resultado foi muito bom, tanto funcionalmente quanto esteticamente. Estarão tambem disponíveis para encomenda em breve.
5 – Quais artistas, shapers e surfistas mais te inspiram?
A lista é longa… O Rastovich e o Donavon são hoje os que surfam com maior plasticidade na minha opinião, são muito criativos na onda e tem estilos bem refinados. Mais próximo de mim tem o John Magrath, que abraçou a idéia das pranchas de Agave e tem um surf muito criativo, espontâneo e plasticamente lindo. E aí, tem uma lista longa de outros nomes que não dá para colocar todos aqui, mas a maioria da geração mini-model em diante: Barry Kanaiaupuni, Reno Abellira, Larry Berttelman…
Fiquei tambem impressionado com umas imagens antigas que vi na internet do Valdir Vargas no Arpoador. Mas se tiver que escolher um favorito entre todos, não tenho dúvida: Michael Peterson. A sessão dele no Morning of the Earth, é indescritível. Na área do shape, fui muito influenciado pelo Claudio Pastor e por todo o seu trabalho de shape e design.
Embora hoje o contato seja menor, houve muito incentivo quando comecei e ele me passou valores muito importantes. Sou muito grato por isso. Sem falar do Bernardo Sodré da Umbê, que é meu colega em design e sala de shape. Dividimos espaço deuma marcenaria e sala de shape. A troca de idéias sobre pranchas, surf, design é constante e enriquece demais a rotina de trabalho.
6 – O que a madeira traz de tão especial para o surf?
A madeira tem cheiro, veio, cores e texturas. Gosto de fazer todas as etapas e processos da prancha. Só de saber que cada peça de agave ou miriti levou anos para crescer, faz com que a apreciação por estes materiais seja maior ainda. Achar boas peças de Agave cria um senso de gratidão à natureza, da mesma forma que ficamos gratos quando pegamos um mar muito bom.
Todas as fotos: Divulgação Caturama. Conheça mais sobre o trabalho de Thomas Scott aqui.
Via Surfare