Em tempos de escassez de água em diversos Estados do Brasil, a solução para o problema poderia ser óbvia: aproveitar a abundância da água do mar para o uso comum por meio da dessalinização.
Os oceanos cobrem mais de 70% da superfície da Terra e contêm 97% da água do planeta.
Mas a energia necessária para esse processo era muito custosa e, com isso, inviabilizava o uso da água do mar para esses fins.
Recentemente, porém, graças às novas tecnologias, os custos foram reduzidos à metade e enormes usinas de dessalinização estão sendo abertas ao redor do mundo.
A maior usina dessalinizadora do planeta está em Tel Aviv (Israel) e já está sendo ampliada para alcançar seus limites máximos de produção.
Isso significa 624 milhões de litros diários de água potável. E ela pode vender mil litros (que é o consumo semanal médio de uma pessoa) por US$ 0,70 (cerca de R$ 2,71).
Outra usina de dessalinização, que fica em Ras al-Khair, na Arábia Saudita, alcançará sua produção plena em dezembro.
Instalada no leste da Península Arábica, ela será maior do que a de Israel e abastecerá Riad – cuja população está crescendo rapidamente – com 1 bilhão de litros por dia.
Uma usina de energia elétrica vinculada a ela pode produzir até 2,4 milhões de watts de eletricidade.
Da mesma forma, será instalada em San Diego a maior usina dessalinizadora dos Estados Unidos, que estará operando a partir de novembro.
No Rio de Janeiro, o governador Luiz Fernando Pezão disse no início deste ano que está analisando a possibilidade de construir uma usina dessalinizadora para abastecer até 1 milhão de pessoas no Estado.
Em São Paulo, após o agravamento da crise hídrica recente, o governador Geraldo Alckmin chegou a dizer que houve um estudo sobre o uso da dessalinização como fonte alternativa de água potável, mas que o custo inviabilizaria o processo.
A técnica já é usada na região semiárida do Brasil e em outros 150 países.
Tecnologia
O método tradicional de transformar água do mar em água potável é aquecê-la e depois recolher a água evaporada como um destilado puro.
Isso demanda uma grande quantidade de energia, mas torna-se algo factível se combinado com usinas industriais que produzem calor em seu funcionamento normal.
As novas dessalinizadoras da Arábia Saudita estão sendo construídas juntamente com usinas de energia exatamente por esse motivo.
Essa osmose reversa utiliza menos energia e deu uma nova oportunidade a uma tecnologia que existe desde os anos 1960.
Basicamente, o sistema consiste em empurrar a água salgada através de uma membrana de polímero que contém furos minúsculos, do tamanho de um quinto de nanômetro.
Esses orifícios são suficientemente pequenos para bloquear as moléculas de sal e suficientemente grandes para permitir a passagem das moléculas de água.
“Esta membrana remove completamente os sais minerais da água”, explica o professor Nidal Hilal, da Universidade de Swansea, no Reino Unido.
Mas essas membranas poderiam entupir facilmente, o que prejudicaria muito o desempenho do processo.
Agora, porém, existe uma tecnologia mais avançada de materiais e técnicas de tratamento prévio que fazem com que essas membranas funcionem com maior eficiência por mais tempo.
E em Israel, os designers de Sorek conseguiram poupar energia usando vasos de pressão com o dobro do tamanho.
A osmose direta é uma forma alternativa de eliminar sal da água do mar, segundo o professor Nick Hankins, engenheiro químico da Universidade de Oxford.
Em vez de empurrar a água através da membrana, uma solução concentrada é utilizada para extrair o sal.
Depois, essa solução é eliminada restando apenas a água pura. “É possível separar a água do sal usando bem pouca energia”, assegura o professor.
Outro método possível é a chamada dessalinização capacitiva que, basicamente, significaria ter um ímã para atrair o sal.
“Deveríamos ser capazes de dessalinizar a água usando algo entre a metade e a quinta parte da energia usada para a osmose reversa”, diz Michael Stadermann, do Laboratório Nacional Lawrence Livermore, da Califórnia.
Essa técnica ainda está em fase de testes.
Um problema gerado pela dessalinização da água do mar é justamente o que fazer com o sal que sobra.
A água no Golfo Pérsico historicamente tem 35 mil partículas de sal por milhão (ppm). Mas segundo o Ministério do Meio Ambiente e da Água, algumas áreas próximas às usinas chegam a ter 50 mil ppm.
“É preciso garantir que a água muito salgada seja deslocada para um local suficientemente longe do mar para que não haja recirculação dessa água, porque, se isso acontecer, ela voltará ainda mais salgada”, disse Floris van Straaten, da empresa de engenharia suíça Pöyry, que supervisiona a construção do projeto Ras al-Khair.
“Nossa usina está sendo instalada ao lado de uma usina de energia que usa a água do mar para refrigeração”, diz Jessica Jones, da Poseidon Water, empresa que está construindo a usina de Carlsbad na Califórnia.
“Nosso descarregamento é misturado, mas, no momento em que ele entra no oceano, o sal já está dispersado.”
Nos Estados Unidos, porém, grupos ecologistas têm lutado nos tribunais contra a construção de novas usinas de dessalinização, dizendo que as consequências da reintrodução da salmoura no mar ainda não foram estudadas o suficiente.
“E quando a água está sendo extraída do oceano, ela traz peixes e outros organismos. Isso tem um impacto ambiental e econômico”, explica Wenonah Hauter, diretor da Food And Water Watch em Washington.
A dessalinização pode se tornar cada vez mais barata, ainda que ela seja muito cara para os países pobres – dos quais muitos sofrem com escassez de água.
Mais de dois quintos da população de 800 milhões do continente africano vivem em regiões de “estresse hídrico”, o que significa viver com o fornecimento de menos de 1.700 metros cúbicos de água por pessoa.
A ONU prevê que, em 10 anos, quase 2 bilhões de pessoas viverão em regiões com escassez de água, vivendo com menos de mil metros cúbicos de água cada uma.
Tudo o que essas regiões mais precisam é de um dispositivo de dessalinização que possa abastecer cada 100 ou 200 pessoas.
A dessalinização capacitiva é uma solução em potencial, da mesma forma que a dessalinização com energia solar, cujos custos já reduziram o triplo em 15 anos.
Assim, enquanto a dessalinização já avançou enormemente nos países ricos, também é necessário que chegue às regiões pobres, que são as que mais sofrem com a falta de água.