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Pancs: conheça os “matinhos” que alimentam e curam mas são confundidos com ervas daninhas

12 de outubro, 2016

Epagri pesquisa resgate de vegetais silvestres na dieta alimentar tradicional, como já é produzido em sítio de Ratones

Alternativa para resgatar hábitos alimentares tradicionais, combater a fome em comunidades pobres ou utilizadas como ingredientes na culinária naturalista mais sofisticada, as pancs (plantas alimentícias não convencionais) estão por toda parte. Geralmente, são confundidas com ervas daninhas ou matinhos que crescem, espontâneos, em quintais, jardins bosques ou misturadas a canteiros da hortinha no quintal de casa. Podem ser também cascas, folhas, raízes e outras partes aparentemente inservíveis de legumes, tubérculos e frutas encontradas em qualquer feira livre, ou, ainda, pétalas coloridas de flores e sementes de árvores típicas da floresta atlântica.

Para a nutricionista Cristina Ramos Callegari, 34, o resgate de alimentos em desuso é um caminho sem volta. Extensionista rural e responsável pela implantação da Unidade de Referência em Plantas Bioativas e Pancs no Centro de Treinamento da Epagri/SC (Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina), em Florianópolis, Cristina pretende recuperar antigos hábitos alimentares e vegetais conhecidos, mas hoje pouco utilizados em comunidades tradicionais da Ilha.

“Pescadores, maricultores e suas mulheres têm acervo enorme de conhecimento sobre alimentos antes utilizados no dia a dia, e que deixaram de utilizados na cozinha convencional”, diz Cristina. O projeto para difundir o uso de pancs na cidade é ainda mais amplo. Cristina explica que a ideia é aproveitar a Lei 11.947/2009, que estipula em 30% o consumo de produtos da agricultura familiar na merenda escolar, para introdução de pancs no cardápio.

Para a elaboração de receitas, serão consultadas pessoas mais velhas das comunidades tradicionais. Também serão realizados cursos com extensionistas municipais, a exemplo da oficina culinária para merendeiras da rede municipal de ensino de Urubici. Lá, o curso foi ministrado pela nutricionista Elisabete Silva no Centro de Treinamento da Epagri em São Joaquim.

“Os matos comestíveis estão por toda a parte”, pondera Cláudia Maria Schmitz, extensionista da Epagri em Urubici.  As pancs,  ela ressalta, dispensam a compra de sementes, adubação, embalagem e agrotóxicos.-

“Carne verde” tem 25% de proteína

Entre as pancs que se confundem com daninhas, a nutricionista Cristina Ramos Callegari, da Epagri, ressalta o valor alimentar da ora pro nobis, “a carne vegetal”, com até 25% de proteína. Trata-se de planta espontânea espinhosa no caule, mas com folhas suculentas e saborosas, utilizada em forma de cremes ou massas. “É a carne do pobre”, diz a nutricionista. Ora por nobis é uma das 400 espécies brasileiras descritas no Guia de Identificação de Plantas Nutricionais de Valdely Ferreira Kinupp e Harri Lorenzi.

Cristina Callegari destaca as funções biotivas das plantas nutracêuticas, aquelas que alimentam e curam. “São ricas em vitaminas, minerais, fibras e compostos bioativos com ação medicinal”, diz. E cita a erva baleeira, tempero salgado natural e anti-inflamatório usado em casos de artrite, artrose e reumatismo. Saborosa em saladas, a beldroega é importante fornecedor de ômega três, ensina o produtor e engenheiro agrônomo Pedro Faria Gonçalves.

No sítio dele, em Ratones, a tanchagem está por todos os lados, misturada a couves, alfaces, cebolinhas e muitas outras. Pesquisas científicas comprovaram que a espécie é poderoso anti-inflamatório com efeitos específicos nas amígdalas e nos pulmões ou em lesões expostas na pele.

Simplicidade é conceito de vida saudável

No sítio Flor de Ouro, em Ratones, o agrônomo Pedro Faria Gonçalves, 34, cultiva agricultura ecológica como conceito de vida. Em canteiros abertos ou protegidos por estufas, distribuídos entre a mata atlântica em regeneração na encosta do morro da Virgínia, hortaliças, tubérculos e temperos clássicos são produzidos de forma consorciada com várias espécies de matinhos.

Lá, as pancs crescem em profusão. Algumas, nativas da América, como picão branco, picão preto e caruru; outras, como a serralha, foram introduzidas durante a colonização europeia e estão naturalizadas e adaptadas ao clima local. Todas polinizadas por abelhas nativas, sem ferrão.

Vegetariano convicto, Pedro entende que o consumo regular de alimentos não convencionais representa mais do que o resgate econômico e nutricional de espécies ainda confundidas com mato ou erva daninha. Pancs, no conceito dele, valorizam o potencial cultural e social da agricultura crioula, praticada por índios e comunidades mais antigas. Em sintonia com a biodiversidade.

“A natureza é abundante e generosa, nos permite a reeducação alimentar. É possível cultivar de forma integral, consorciada e orgânica, com respeito aos conceitos de sustentabilidade da biodiversidade da natureza e dignidade do produtor. É preciso criar este rede de saúde”, ensina. 

Agricultor assimila novos métodos e sabores

Neto e filho de agricultores tradicionais, Cidclei Divo de Souza, 38, é a prova da mudança. Há 15 anos no Sítio Flor de Ouro, deixou de lado as técnicas ultrapassadas, como queimadas e desmatamentos, e hoje é adepto da agroecologia. Também é vegetariano convicto, e hoje leva à mesa da família alimentos que antes via como ervas daninhas e arrancava do quintal de casa.

O conceito de panc é utilizado para espécies que caíram em desuso depois da industrialização e da massificação dos hábitos fast food. Vale também para partes descartadas de vegetais clássicos, como folhas de cenoura ou beterraba.

 No sítio Flor de Ouro, 60 parceiros cadastrados recebem semanalmente cesta diversificada de produtos orgânicos. Em cada entrega são incluídos mais de uma panc, com informações sobre maneiras de preparo, propriedades nutricionais e terapêuticas e receitas básicas.

Viveiro reproduz mudas

Na Unidade de Referência em Plantas Bioativas e Pancs da Epagri, no Itacorubi, quem bota as mãos na terra é o agricultor Arildo Otacílio, 52, que se criou entre a pesca e o campo, na Pinheira, em Palhoça. Orientado pela nutricionista Cristina Callegari, ele prepara os canteiros para o transplante das ervas comestíveis que crescem no viveiro, algumas conhecidas dele desde a infância.

 “Mas, naquela época eu não sabia que eram comestíveis. Muitas delas eram arrancadas com a enxada quando para o plantio de roças e hortas comuns”, diz. No viveiro, Arildo cultiva mudas de açafrão da terra, alecrim, bertalha, capuchinha, cará do ar, erva baleeira, manjerona, hibiscos, moringa, ora por nobis, chaya, tupinambor, perila.  Algumas ele já experimentou, como a azedinha, que se espalha ao lado dos canteiros.

Fartura no terreno baldio

As pancs estraram na vida da artista plástica Gabriela Goulart, 28, há mais ou menos um ano, durante dedilhada rápida pelo Facebook, e viu que muitas daquelas plantas faziam parte das receitas da vovó Narcisa. Mas, só começaram a integrar a dieta regular dela e da família há pouco mais de dois meses, quando conheceu o livro Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANC) no Brasil de Valdely Ferreira Kinupp e Harri Lorenzi, emprestado pela amiga Cristina Oliveira.

“Foi a pesquisa de graduação da Tina em artes visuais, e me encantei”, diz Gabriela, que, desde então, virou “caçadora de pancs”. Diariamente, ela sai pelas ruas de Barreiros, colhe algumas espécies, as compara com as ilustrações e informações técnicas do livro e transplanta algumas no quintal de casa. Parte da colheita vai à mesa em saladas, refogados e sopas, todas aprovadas pelo filho, pelo namorado, pelos pais e sogros dela.

O que são

  • Espécies comestíveis silvestres ou exóticas, espontâneas ou cultivadas, presentes em todos os biomas brasileiros.
  • Muitas são chamadas de daninhas, inços ou mato, pois suas utilidades culinárias e potencialidades nutricionais são desconhecidas.
  • São, também, partes de hortaliças e frutas ricas em nutrientes e comumente não utilizadas, como folhas de cenoura, batata doce ou beterraba e o umbigo (coração) da bananeira.
  • Por mudanças no comportamento e industrialização, deixaram de fazer parte da cadeia produtiva e da alimentação tradicional.

Mato que alimenta 

  • Picão branco
  • Picão preto
  • Erva baleeira
  • Tanchagem
  • Espinafre silvestre
  • Almeirão silvestre
  • Caruru
  • Azedinha
  • Bredo
  • Bertalha
  • Capuchinha
  • Serralha
  • Trapoeraba
  • Taiá
  • Cará do ar
  • Cará da terra
  • Beldroega
  • Chaya
  • Hibisco
  • Perila
  • Ora por nobis
  • Moringa
  • Tupinambor
  • Urtiga
  • Dente de leão
  • Açafrão da terra
  • Alecrim
  • Manjerona

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Uma resposta para “Pancs: conheça os “matinhos” que alimentam e curam mas são confundidos com ervas daninhas”

  1. Jose Renato Soares da Silva disse:

    Muito bom aqui no amazonas tem muitas plantas e ervas nao convencionais

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